quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
XUKURU DO ORORUBÁ: OS VELHOS NÃO MORREM, SE ENCANTAM...
(publicado in Jornal Porantim. Brasília, CIMI/DF, nº. 279,outubro 2005, p.7).
XUKURU DO ORORUBÁ: OS VELHOS NÃO MORREM, SE ENCANTAM...
No povo Xukuru do Ororubá (Pesqueira/PE) desde muito tempo, antes do escritor Guimarães Rosa ter descoberto, os Xukuru acreditam: dois importantes idosos para a história desse povo partiram para o “reino dos Encantados”. Um deles “Seu” Herculano, respeitado pela sua sabedoria, acompanhante do Cacique “Xicão”, moradores da Aldeia Pedra D’Água, desde o início participou das mobilizações contemporâneas que garantiram a demarcação das terras desse povo. A outra importante referência “Seu” Cícero Pereira, foi o pai do Cacique Xicão, assassinado a mando de fazendeiros invasores do território indígena, e avô do atual Cacique Marcos. Possuidor de uma memória prodigiosa, “Seu” Cícero em várias conversas lembrava com muitos detalhes do passado Xukuru, dos tempos difíceis com as perseguições dos fazendeiros.
Nascido na Aldeia Cana Brava, ou “Cana Braba”, como ainda hoje chamam os/as mais idosos/as e de onde provém a linhagem do cacicado Xukuru do Ororubá, “Seu Ciço” como era conhecido, filho de uma família numerosa, recordava que desde a infância, assim como muitas crianças da sua época, tinha que trabalhar duro na roça, no pequeno pedaço de terra que possuía, quando não nas terras das fazendas que ocupavam o território Xukuru.
“Seu Ciço” falava também das “juntadas”, reunião daqueles moradores que possuíam pequenos lotes, para trabalharem em mutirões de ajuda mútua. Lembrava que quando garoto desceu tantas vezes a Serra do Ororubá em um cavalo com os caçoás carregados de verduras, milho e produtos da roça que vendia na estação do trem em Pesqueira. Mas, como a vida não era só trabalho, recordava também e tão bem com alegria das novenas, das festas animadas ao som das zabumbas, onde além da diversão garantida, se acertava os noivados, futuros casamentos.
Ele teve um papel fundamental nas mobilizações contemporâneas dos Xukuru do Ororubá. Quando os Xukuru se organizam em meados de 1980, elegendo o Cacique Xicão, reconhecida e expressiva liderança desse povo com projeção ao nível do país, “Seu Ciço” foi eleito Vice-Cacique. Sua atuação sempre foi discreta, mas garantiu o apoio necessário, muitas vezes também material, para a atuação de Xicão e a organização indígena Xukuru. Por isso ele sempre foi visto como uma importante referência na luta desse povo.
Muito abalado e magoado desde o assassinato do Cacique Xicão, doente ele se viu forçado a deixar a aldeia e vir morar na cidade. Mas em sua casa a todos/as recebia com satisfação e sempre disposto a uma longa conversa sobre o passado, a memória Xukuru e por isso era uma grande referência. Vibrava com as conquistas do presente do seu povo e colocava muita esperança no futuro, falando com orgulho da liderança exercida pelo atual jovem Cacique Marcos, seu neto.
As partidas de “Seu” Herculano e de “Seu” Cícero nos questionam sobre o que pensamos a respeito das pessoas mais velhas. Como são vistos os/as mais velhos/as nas aldeias? Qual o lugar dos/as idosos/as entre os povos indígenas? Em um mundo onde o/a velho/a, principalmente os/as pobres, em oposição ao novo, ao moderno são descartados, desprezados, vivem na imensa maioria em péssimas condições, a vida, a história, a experiência, o testemunho e a sabedoria de “Seu” Herculano, de “Seu” Cícero, de tantos idosos/as, além de nos questionar, nos lembra que somos sombras do passado e do qual esboçamos o futuro.
Talvez por isso os Xukuru do Ororubá afirmem que não enterram, mas “plantam” seus mortos, para que deles “nasçam novos guerreiros”. E “Seu” Herculano e “Seu” Cícero foram plantados ali, no meio da mata sagrada da Aldeia Pedra D’Água, ao lado de onde também “está plantado” o Cacique Xicão, Xico Quelé e outros Xukuru. Eles se encantaram, ”Vou para aldeia encantada”, assim diz um toré Xukuru.
Edson Silva (CAp-CE/UFPE)
Recife, 11/09/05
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