quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
“Nossa Mãe Tamain”. Religião, reelaboração cultural e resistência indígena: o caso dos Xukuru do Ororubá (PE)- Artigo
(publicado in: BRANDÃO, Sylvana. (Org.). História das religiões no Brasil.
Recife: Editora Universitária UFPE, 2002, vol. 2, pp. 347-362)
“Nossa Mãe Tamain”. Religião, reelaboração cultural e
resistência indígena: o caso dos Xukuru do Ororubá (PE)
Edson Silva
Em memória do Cacique Xicão e do reconhecido líder Chico Quelé, brutalmente assassinados em 20/05/98.
e em 23/08/01, a mando de fazendeiros, invasores das terras do seu povo. Crimes até o momento impunes
Índios: da tragédia final anunciada a uma história reescrita (p.347)
O escritor Eduardo Galeano em seu conhecido livro As veias abertas da América Latina publicado em fins de 1970, no Uruguai, e que traduzido no Brasil já ultrapassou mais de 40 edições, escreveu sobre os povos indígenas e a colonização: “Os índios padeceram e padecem – síntese do drama de toda a América Latina – a maldição de sua própria riqueza (...) (p.348) As matanças dos indígenas começaram com Colombo e nunca cessaram” (1987: 58-59). E ao tratar do Brasil, na mesma obra, afirmou o conceituado autor: “Não se salvam, atualmente, nem mesmo os índios que vivem isolados no fundo das selvas. No começo deste século, sobreviviam ainda 230 tribos no Brasil; desde então desepareceram 90, aniquiladas por obra e graça das armas de fogo e micróbios. Violência e doenças, pontas de lança da civilização: o contato com o homem branco continua sendo para os indígenas, o contato com a morte”. (pág. 60).
A visão da história da colonização da América, apenas enquanto uma tragédia, por diversos autores que se dedicaram ao assunto e, durante muito tempo, pelas reflexões das Ciências Humanas e Sociais, fundamentaram-se nos relatos dos primeiros cronistas coloniais a exemplo de Bartolomé de Las Casas, que é o autor da célebre e conhecidíssima Brevíssima Relación de la Destruición de las Indias Ocidentales (1552), nos relatos de Gonzalo Oviedo, Juan Sepulveda, Bernadino de Sahagun, dentre outros, que descrevem as violências e atrocidades da colonização espanhola.
Essa visão apenas trágica aliada a uma concepção evolucionista, norteou também por muito tempo, os estudos sobre os povos indígenas no Brasil. Estão presentes em As Américas e a civilização (citada por Eduardo Galeano) e em Os índios e a civilização, obras muito conhecidas do antropólogo Darcy Ribeiro, sendo que, nesta última, que(p.349) tem como subtítulo “ A integração das populações indígenas no Brasil moderno”, na parte que tratou das “fronteiras da civilização”, ao analisar a expansão pastoril no Nordeste, o autor concluiu: “Por todos os sertões do Nordeste, ao longo dos caminhos das boiadas, toda a terra já é pacificamente possuída pela sociedade nacional; e os remanescentes tribais que ainda resistem ao avassalamento só têm significado como acontecimentos locais, imponderáveis.” (Ribeiro, 1982:57). (grifamos).
Contrariando as previsões funestas, os povos indígenas ao longo dos 500 anos de colonização, não somente elaboraram diferentes estratégias de resistência/sobrevivência, como também alcançaram nas últimas décadas, um considerável crescimento populacional. Crescimento este recentemente noticiado pela imprensa de 3,5% ao ano, maior que a média da população brasileira em 1,6%, segundo estimativa do IBGE. (Jornal Folha de São Paulo, 24/03/01,p.A9). Questionando assim as tradicionais imagens e visões eurocêntricas, colonialistas e evolucionistas, o que exigiu reformulações das teorias explicativas sobre esses povos.
Classificados no Nordeste, oficialmente, como remanescentes de índios e, nos lugares onde existiram antigos aldeamentos, conhecidos no senso comum, por caboclos, condição muitas vezes assumida para esconder a identidade étnica diante das inúmeras perseguições nos conflitos das invasões de suas terras, a eles foram dedicados estudos de (p.350) seus hábitos e costumes considerados exóticos, com seus rituais, danças e manifestações folclóricas em vias de extinção, como aparecem em publicações que exaltaram de forma idílica a contribuição indígena nas origens e formação social de municípios do interior.
Porém, o caboclo permaneceu índio, questionando as teorias do desaparecimento indígenas e assim, vários povos indígenas “invisíveis” no Nordeste, teceram uma história de resistência étnica afirmada nas primeiras décadas do século XX, no momento conjuntural por eles considerado propício para exigirem o reconhecimento oficial, para mobilizarem-se na reconquista de suas terras e de seus direitos históricos negados. (Silva, 2000: 110-111).
Nos últimos 30 anos diversos povos indígenas ressurgiram na Região em um processo de emergência étnica. Esses povos vivenciaram um processo dinâmico de reelaborações culturais e de identidades negociadas, em um contexto político de luta pela terra e direitos sociais, processo esse explicado pela reflexão antropológica como etnogênese (Oliveira, 1999). Recentemente, a imprensa noticiou os casos de ressurgimento dos Pitaguary, no Ceará, dos Karuazu, os Kalancó, os Katoquin e os Koiupanká em Alagoas, dos Tumbalalá, e os Pipipã, em Pernambuco e dos Tupinambá, na Bahia.
As diversas e diferentes estratégias de resistência indígena
Longe de negar as inquestionáveis violências dos colonizadores europeus, que provocaram a significativa depopulação dos povos nativos, a exemplo do Brasil, onde uma população estimada em 5 milhões em 1500 está hoje reduzida a uma população com 550.438 indivíduos. Essa totalização inclui segundo dados do IBGE/99, cerca de 900 indígenas que são pertencentes a povos não contactados habitantes principalmente (p.351) em algumas localidades da Região Norte. Contabilizam 225 povos indígenas que falam 180 línguas distintas, habitam todas as regiões do país (Prezia e Hoornaert, 2000 ). Assim, a existência/permanência dos povos indígenas é um dado inquestionável.
As discussões iniciadas nos anos 80, na área da Antropologia, sobre a dinâmica da colonização, as relações culturais em uma situação de contato, sobre a identidade étnica, a territorialização etc., como também as novas abordagens pelos estudos de História, exigindo repensar a idéia atribuída aos indígenas como “povos derrotados”, passivos, subjugados, que passaram a ser vistos como sujeitos/agentes ativos no processo colonial, num contexto de dominação/imposição cultural.
Esses estudos buscaram compreender como os diversos povos em diferentes contextos situacionais, elaboraram diversas estratégias que possibilitaram a sobrevivência nesses cinco séculos de colonização. Nesse sentido, foi ampliada a concepção do próprio conceito de resistência, até então vigente, enquanto apenas confrontos, conflitos bélicos, guerras com fins trágicos e a morte de milhares de indígenas, para uma concepção mais ampla de relações culturais diferenciadas em um contexto de dominação e violências culturais: a resistência cultural do cotidiano, através de gestos, práticas, atitudes que quebraram uma suposta totalidade da dominação colonial.
Uma vez questionadas as visões a respeito dos indígenas como “povos vencidos” e a idéia do “etnocídio”, enquanto total destruição física e cultural foram estudadas as diferentes estratégias utilizadas pelos povos nativos em uma permanente resistência ao colonialismo. As simulações, (p.352) as acomodações, os acordos, as alianças. O chamado hibridismo cultural, ou seja, as apropriações simbólicas que as culturas indígenas fizeram da cultura colonial, reformulando-a, adaptando-a, refazendo-a, influenciando-a, reinventando-a, no que é conhecido como religiosidade popular, sincretismo etc., que permeiam os “500 anos”.
Autores como, Gruzinski (1995) e Bruit (1995) que estudaram a América espanhola, Vainfas (1997) e Barros (1997) que pesquisaram o Brasil, revelaram que mesmo naqueles contextos de diversas violências explícitas, os povos indígenas simularam–se derrotados e sabotaram a dominação colonial, estabelecendo uma “resistência invisível”, através da persistência de práticas religiosas ancestrais, com simulações de adesão ao cristianismo, práticas estas consideradas como idolatrias pelos missionários, deixando-os bastante irritados ao perceberem os desvios em seus trabalhos catequéticos.
Acordos, negociados entre líderes indígenas e colonizadores garantiram a influência e o poder dos primeiros sobre seus grupos. Casos de rebeliões em aldeamentos de índios, já considerados mansos e cristãos, colocavam em questão o trabalho catequético de anos, que mantinha um suposto controle colonial sobre os povos indígenas. Negociações possíveis em um contexto de dominação foram feitas em diferentes situações e momentos, o que permitiu aos povos indígenas manterem um convívio aparentemente pacífico no mundo colonial, resistirem/sobreviverem, como também subverterem a suposta ordem dominante na história dos 500 anos. (Silva, 2000:100-103).
(p.353)
Nossa Sra. das Montanhas/Nossa Mãe Tamain:
o rosto arredondado como o de uma “cabocla”
“Nossa Senhora das Montanhas “Oi, arreia, arreia, arreia
É uma santa de valor Tamain arreia, arreia (bis)
Quem achou ela na mata Deus no céu e índio na Terra (bis)
Foi o índio caçador Vamos ver quem pode mais
Arreia, arreia, arreia, arreia É Deus no céu e índio na Terra”
Oi, arreeia!”
Cantos do ritual do Toré dançado pelos Xukuru
O povo Xukuru habita a Serra do Ororubá, no Município de Pesqueira, na Região Agreste, a cerca de 215 Km do Recife, a capital do Estado de Pernambuco. Quanto aos números populacionais Xukuru, existem divergências em relação às estimativas mais recentes disponíveis. A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA/ESAI) contabilizou, em um levantamento realizado no ano de 1996, cerca de 6.363 indivíduos morando em 40 aldeias espalhadas pela Serra e no Bairro “Xukurus”, localizado na Cidade de Pesqueira. Esses dados foram contestados pelos próprios indígenas, que afirmaram a existência de 1.807 famílias moradoras em 23 aldeias e aproximadamente mais 200 famílias habitando em Bairros de Pesqueira, totalizando 7.842 indivíduos. (Professores Xukuru, 1997: 52). Segundo os indígenas, a diferença entre o número de aldeias se deve ao fato de que, oficialmente, alguns sítios onde moram Xukuru foram classificados aldeias.
Os Xukuru que tiveram o aldeamento oficialmente declarado extinto em 1870, atendendo solicitação de invasores das terras indígenas, reivindicam a demarcação efetiva (p.354) (já que oficialmente foi reconhecida) de 27.555 ha, área que encontra-se invadida por mais de 280 fazendeiros e pequenos posseiros , uma situação permanente de conflitos, violência e mortes. Nos últimos 10 anos os Xukuru, bastante organizados e mobilizados, inicialmente sob a liderança do atuante Cacique Xicão, vêm retomando parte de suas terras expulsando tradicionais invasores, o que ocasionou o assassinato do expressivo Cacique, em 1998, e cuja suspeita do mandato recaiu sobre os invasores das terras indígenas.
A colonização portuguesa na região onde habitam os Xukuru ocorreu a partir de 1654, quando a Coroa Portuguesa fez doações a senhores de engenho do litoral de grandes sesmarias de terras para criação de gado. Em 1661, atendendo solicitação oficial, os Oratorianos fundam o Aldeamento do Ararobá de Nossa Sra. das Montanhas, onde também possuiríam fazendas de gado, utilizando a mão-de-obra indígena. (Medeiros, 1993). Por determinação da legislação portuguesa (Diretório do Marquês de Pombal, de 1757), o antigo Aldeamento do Ararobá, foi elevado, em 1762, a categoria de Vila de Cimbres.
Mesmo diante das proibições, perseguições e violências coloniais, os Xukuru permaneciam com seus cultos tradicionais, realizados às escondidas, após a decretação oficial do fim do Aldeamento no Século XIX. Nas primeiras décadas do século XX, os Xukuru, como outros povos indígenas no Nordeste, retomaram com mais vigor a mobilização pela posse de suas terras e garantia de seus direitos, pressionando as autoridades do SPI (Serviço de Proteção ao Índio). O primeiro relatório oficial sobre os Xukuru data de 1944, e foi feito pelo sertanista e (p.355)funcionário do SPI, Cícero Cavalcanti (apud, Antunes,1973,40-43). Nesse Relatório, afirmava o sertanista que em razão dos “caboclos mais velhos” reunirem-se para realização dos seus rituais, eram denunciados como catimbozeiros pelos brancos à polícia. Líderes dos cultos indígenas foram intimados a comparecer à Delegacia, e os índios estavam proibidos de praticar “o segredo” do Ouricuri pela polícia. Outros indígenas foram denunciados, tendo as autoridades policiais “os proibido de curatórias”. O sertanista afirmava ainda que “alguns costumes Xukurus ainda vivem em seu coração”. O Toré era dançado quando fazem a Festa de Nossa Senhora das Montanhas, em Cimbres.
Em uma publicação do início do século XX, o Toré foi descrito como uma dança “tradicionalmente ainda em voga, nomeadamente, entre os semi-selvagens de Cimbres” (Pereira da Costa, 1976, 754) (Grifamos). Escrevendo sobre as impressões transmitidas por um etnólogo, que no começo da década de 30 esteve em Cimbres e conheceu os Xukuru, uma cronista afirmava:
Quanto a religião, tem uma espécie de idolatria, por infiltrações do catolicismo e pretendem o monopólio do culto à santa de sua devoção. Sabem, perfeitamente, que descendem da tribo Xukuru que ocupou aquela região, têm orgulho de sua procedência e julgam-se superiores aos outros habitantes, guardando rancor dos brancos por lhes haverem tomado as terras. (Melo, 1935, 43-44).
Essas afirmações, considerando o etnocentrismo dos seus autores, revelam uma resistência dos indígenas, pois mesmo a despeito da extinção oficial do aldeamento, dos (p.356) discursos da “degeneração” e do “desaparecimento”, da espoliação violenta de suas terras, permaneceu a afirmação étnica Xukuru.
Seguindo o calendário festivo em Cimbres, dos santos católicos romanos, São João, chamado Caô pelos Xukuru, é festejado em junho. N. Sra. das Montanhas, denominada Mãe Tamain, no início de julho, além de S. Miguel, em setembro. Além de outras práticas religiosas como rezar o Terço, promover novenas, viajar a Juazeiro do Norte/CE para as celebrações que lembram o Pe. Cícero, os Xukuru participam mais intensamente nos festejos dedicados a Caô e a Tamain. O primeiro diferente da imagem tradicional simbolizado por uma criança com um cordeiro, é visto pelos indígenas como um guerreiro. Assim, também é visto S. Miguel. Tamain é a protetora dos Xukuru e de Cimbres, considerado um espaço sagrado de propriedade indígena.
Nas festas dedicadas a Caô e Tamain os Xukuru participam ativamente. Na festa para Tamain, a participação, porém, é maior: desde a Procissão da Bandeira, dançando o Toré, devidamente “fardados” com o Tacó (vestimenta de palha tradicional Xukuru), na frente do templo católico em Cimbres, ao transporte do andor. Só os Xukuru têm o direito de carregar o andor e tocar a imagem. Esse “monopólio” sempre foi motivo de questionamentos e conflitos com as autoridades religiosas que dirigem os festejos. Apesar disso, depois da Procissão gritando “Viva Tamain, Pai Tupã e o Cacique Xicão”, os Xukuru entram carregando o andor no templo, onde as lideranças postam-se em pé, próximas ao altar central, enquanto outros indígenas ocupam o corredor principal e as laterais. Ao final (p.357) da missa os não-índios retiram-se, em reconhecimento e respeito aos indígenas, cedendo espaço para os Xukuru que dançam o Toré ao redor dos bancos entoando repetidas vezes seus cantos rituais tradicionais.
A apropriação e reinterpretação dos espaços e símbolos religiosos coloniais pelos Xukuru constituem uma afirmação étnica, de fortalecimento nas reinvindações dos direitos indígenas. O que pode ser observado em depoimentos recolhidos para um estudo (Neves, 1999:77; 118) realizado sobre as festas religiosas em Cimbres:
“Mãe Tamain é aquela que leva a gente pra luta. Com força de Mãe Tamain,
ninguém pára a gente não. Mesmo quando nós era mais perseguido, nossa
Mãe sempre protegeu nosso ritual aqui na Vila”.
“Tamain nasceu em Cimbres, ela era uma cabocla”.
Os Xucuru, além de afirmarem que Cimbres é um espaço sagrado e daí a busca do domínio sobre ele, dizem também que N. Sra. das Montanhas/Tamain pertence a eles. O que aparece nos relatos das muitas versões sobre o “achado” da Santa, encontrada por uma índia criança, “um caboclo velho”, ou ainda por um índio enquanto caçava na mata. Dizem também que foram os índios que fizeram “uma cabana de palha para ela em cima do tronco onde ela foi encontrada”. Também descrevem seus traços físicos do rosto como o de uma “cabocla”.
Se por um lado a introdução de um culto mariano fez parte da pedagogia evangelizadora missionária inicial junto aos Xukuru, onde o estímulo às devoções a imagem (p.358) de N. Sra. das Montanhas comunicava bem mais que a pregação com palavras ou textos escritos estranhos à cultura indígena, por outro lado, houve uma aproximação entre os mundos sobrenaturais indígenas e cristão. Pode-se pensar em uma situação análoga para o caso da colonização espanhola no México, onde “o êxito da imagem cristã entre os índios é indissociável, portanto, de uma conjuntura inicial que em muitos aspectos resulta excepcional, pois une uma receptividade imediata e uma habilidade precoce as notáveis capacidades de assimilação, interpretação e criação”. (Gruzinski, 1994:182).
A imagem cristã tornou-se um símbolo para o povo Xukuru que em torno dela “reconstruíram nexos sociais e culturais”, o mesmo ocorrendo mais tarde com as devoções a outros santos: São João e São Miguel também introduzidos pelos missionários, demostrando que os indígenas nunca foram apenas “consumidores passivos” da evangelização. (Idem, 1994). Quando os Xukuru apropriaram-se das imagens cristãs, aconteceu uma “captura do sobrenatural cristão” pelos indígenas e uma “cristianização do imaginário indígena”, a semelhança do que aconteceu no México colonial, como analisa Serge Gruzinski (1995). Ocorreram relações em um movimento dinâmico de “circularidade cultural”, onde “temos, por um lado, dicotomia cultural, mas por outro, circularidade, influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica” (Ginzburg, 1987:21), movimento este bem mais complexo do que a explicação de uma suposta aculturação Xukuru.
Os Xukuru apropriaram-se dos símbolos coloniais religiosos, dando-lhes, ainda, um significado também para sua organização e mobilização, expressadas em momentos de (p.359) cultos públicos. Um exemplo disso ocorreu na Festa de N. S. das Montanhas/Tamain em 1998, quando na frente da Procissão os Xukuru levavam uma faixa que dizia: “Chicão com teus familiares e amigos deixaste como recordação um pouco do seu sorriso”, lembrando uma das mais expressivas lideranças na lutas pelos direitos indígenas.
Observando as práticas Xukuru é possível comprovar as muitas e diferentes estratégias conscientes, ou não, que os povos indígenas elaboraram frente à colonização. As relações no universo cultural/religioso se constituem um campo sobremaneira onde ocorreu simulações, embates, associações, inversões, etc. que, uma vez pesquisadas, possibilitarão superar visões nefastas sobre os povos indígenas, compreender melhor a história e a dinâmica do processo colonial e os seus atores. Foi essa a tentativa neste breve estudo introdutório.
NOTA
Em 02/05/01, o Governo Federal homologou as terras Xukuru (o último passo burocrático no reconhecimento oficial de um território indígena).
Existiram razões demais para festejar, por ocasião da 1a Assembléia do Povo Xukuru em Memória Viva do Cacique Xicão, que ocorreu de 17 a 19/05, para a qual me senti muito honrado ao receber o convite para contribuir na assessoria. O encontro, que contou com delegações de outros povos indígenas e muitas outras pessoas solidárias com a causa indígena, culminou como anteriormente planejado, com uma caminhada da Serra do Ororubá (p.360) para as ruas de Pesqueira, e foi realizado um ato público pela passagem dos 3 anos do assassinato do Cacique Xicão.
Restava ao poder público indenizar, segundo a lei, as benfeitorias dos invasores promovendo assim a saída deles da área indígena. O que vem ocorrendo, com a devolução por parte de pequenos proprietários e fazendeiros das terras aos Xukuru. Porém, aos invasores ainda é facultado o direito a recursos judiciais, contestando o valor das indenizações, como fizeram alguns fazendeiros, cabendo a justiça uma decisão. Todavia, a homologação é um ato irrevogável.
A persistência do Cacique Xicão, de Chico Quelé, o empenho, a luta, suas vidas e de tantos outros que lutaram pelo reconhecimento dos direitos Xukuru, os direitos indígenas, não foi em vão. Lamentável o preço tão caro: a própria vida!
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