AQUI E AGORA TEM

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Literatura Africana


Índice

 











 

 


1. A LITERATURA COLONIAL:
FRONTEIRAS E DIFERENÇAS EM RELAÇÃO ÀS LITERATURAS AFRICANAS.


[…] A literatura colonial, define-se essencialmente pelo facto de o centro do universo narrativo ou poético se vincular ao homem europeu e não ao homem africano. No contexto da literatura colonial, por décadas exaltada, o homem negro aparece como que por acidente, por vezes visto paternalisticamente e, quando tal acontece, é já um avanço, porque a norma é a sua animalização ou coisificação. O branco é elevado à categoria de herói mítico, o desbravador das terras inóspitas, o portador de uma cultura superior. Exemplo: «o único país que pode explorar seriamente a África, é Portugal» (prefácio de Manuel Pinheiro Chagas a Os sertões d’África, 1880, de Alfredo de Sarmento, onde aliás se pode ler sobre o negro: «É um homem na forma, mas os instintos são de fera», p. 87). Paradoxalmente, o branco é eleito como o grande sacrificado. A aplicação do ponto de vista colonialista tem no europeu o agente dinâmico e não o opressor: «Fiel aos nossos deveres de dominador, grata ao nosso orgulho, útil às populações», escrevia um homem anti-fascista, Augusto Casimiro (Nova largada, 1929). Predominavam, então, as ideias, da inferioridade do homem negro, que teóricos racistas, haviam derramado e para as quais teria contribuído o filósofo Lévy-Bruhl com a sua tese da mentalidade pré-lógica, — sendo certo, embora, que a renunciou pouco antes de morrer.

Logo no último quartel do século XIX se encontram os pioneiros desta literatura. Mas é no período 20/30 do século XX que ela vai atingir o ponto maior: na quantidade, na marca colonialista, na aceitação do público que esgota algumas edições, com certeza motivado pelo exótico. Aí se destaca um naipe todo ele incapaz de apreender o homem africano no seu contexto real e na sua complexa personalidade. É certo que justo será destacar pela qualidade da sua escrita João de Lemos, Almas negras, 1937, porque nele, apesar de uma deficiente visão, se denota um meritório esforço de análise e intenção humanística. Mas, escritor português, manietado pela distanciação colonialista, por norma, dá ao seu discurso um sentido racista hoje de inconcebível aceitação. Henrique Galvão: «A sua face negra, de beiçola carnuda, tinha reflexos demoníacos» (O vélo d’oiro, 4ª ed., 1936, p. 122); ou: «Era um negro esguio» [o Mandobe] que «dava a impressão [...] dum excelente animal de corrida» (p. 34); Hipólito Raposo (Ana a Kalunga, 1926) na glorificação mística imperial: «Queimados no ardor silencioso de Golfo, em todo o peito português vai estremecendo o marulhar heróico dos Lusíadas» (p. 21), e outros (muitos) como António Gonçalves Videira, João Teixeira das Neves, irmão de Teixeira de Pascoaes, Brito Camacho, Contos selvagens (1934). Prolonga-se este tipo de literatura até aos nossos dias, com tendência, no entanto, para reflectir os efeitos de uma perspectiva humana ajustada à evolução das condições históricas e políticas, porventura o caso de Maria da Graça Freire (A primeira viagem, 1952) e, noutro aspecto, na actualização de uma linha que vem de Hipólito Raposo, citaríamos António Pires, (Sangue Cuanhama, 1949). Essa incapacidade de penetrar no mundo africano terminou por se instalar na consciência de um ou outro (poucos) mais atentos, mais apetrechados do ponto de vista teórico, como é o caso de José Osório de Oliveira, que se interroga a si próprio: «Conseguirei escutar nesta viagem, a voz da raça negra?» (Roteiro de África, 1936, p. 55).

O tempo histórico, o tempo cultural, para quem, ideologicamente, era incapaz de se furtar à insidiosa instauração do fascismo em Portugal e à inscrição legal do assimilacionismo (aí vinha já o célebre Acto Colonial, de 1930), não permitia ou não ajudava a uma tarefa de tal monta, que rejeita meros propósitos e exige uma reformulação da mentalidade do europeu.

Hoje, não há lugar para dúvidas: muitas dessas obras estão condenadas ao esquecimento, salvando-se aquelas que, apesar de prejudicadas pelas contigências de uma época e de uma mentalidade coloniais, evidenciam contudo um certo esforço humanístico e uma real qualidade estética. Mas, no conjunto, a história vai ser de uma severidade implacável e arrumará a quase totalidade desta literatura no discurso da acção colonizadora ou no nacionalismo imperial, saudosista e deslumbrado.

Manuel Ferreira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Lisboa, ICALP, 1977, vol.1., pp. 10-13.
http://www.instituto-camoes.pt/cvc/bdc/eliterarios/006/bb06.pdf

 

 

2. LITERATURAS AFRICANAS ESCRITAS EM LÍNGUA PORTUGUESA:
O PAPEL DA IMPRENSA E DO ENSINO PARA O SEU SURGIMENTO


Imprensa

A tipografia foi introduzida nas colónias nas seguintes datas: Cabo Verde (1842); Angola (1845); Moçambique (1854); São Tomé e Príncipe (1857) e Guiné-Bissau (1879).

Os primeiros órgãos de comunicação social foram o Boletim Oficial de cada colónia, que dava abrigo à legislação, noticiário oficial e religioso, mas que também incluía textos literários (sobretudo poemas, mas eventualmente crónicas ou contos).

Em geral, no século XIX, com excepção de Angola, a imprensa foi menos importante do que seria de supor devido também à repressão. O semanário O Progresso (1868), de Moçambique, religioso, instrutivo, comercial e agrícola, teve apenas um número, porque, dois dias depois, era obrigado a ir à censura prévia, que o proibiu. Um militante republicano, Carvalho e Silva, no início deste século, fundou quatro jornais, todos encerrados, o último dos quais assaltado, a tipografia destruída e o director agredido, de que resultou a sua morte. De facto, a história da imprensa não oficial de Moçambique foi geralmente de oposição aos governos, da colónia e de Lisboa.

Com a República, até ao advento da lei de João Belo (1926) contra a liberdade de imprensa, floresceu uma imprensa operária. Mas os mais célebres, e justamente celebrados, pelo seu papel na consciencialização da moçambicanidade, foram os jornais fundados pelos irmãos José e João Albasini: O Africano (1909-1918), O Brado Africano (1918) e O Itinerário (1919), o penúltimo sobrevivendo durante décadas e o último reaparecendo, mais tarde, noutros moldes (1941-55).

Na Guiné, o primeiro jornal, Ecos da Guiné, apareceu somente em 1920.

Em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, a imprensa contribuiu decisivamente para o incentivo à criação literária, no quadro de limitação insular. A fundação do Liceu-Seminário de São Nicolau (Cabo Verde), nos anos 60 do século XIX, ajuda a explicar o nível de escolarização cabo-verdiana (a primeira escola primária surgiu em 1817). Curiosamente, cabo-verdianos e são-tomenses, vivendo em Portugal, na primeira metade do século XX, estiveram sempre muito activos na busca de uma identidade cultural e da consciencialização (proto-nacional ou simplesmente na produção intelectual desligada de intenções insulares. Basta recordar intelectuais como Viana de Almeida, Mário Domingues, Marcelo da Veiga ou Salustino da Graça Espírito Santo (de São Tomé e Príncipe) e Pedro Cardoso (de Cabo Verde).

No século XIX, foi intensa e brilhante a actividade jornalística em Angola. Depois da criação do Boletim Oficial (1845), surge A Aurora (1855), jornal recreativo e literário. Mais tarde, aparece um jornal pugnando pela efectiva abolição da escravatura, para além da letra da lei, A Civilização da África Portuguesa (1866), dirigido por Urbano de Castro e Alfredo Mântua, europeus identificados com Angola.

De 1860 a 1900, surge cerca de meia centena de títulos de jornais, artesanais e episódicos, mas de grande importância para o fomento da actividade intelectual e literária. Desde o Jornal de Luanda (1878), do escritor e advogado Alfredo Troni que marca a transição do jornalismo de cariz mais colonial para o proto-nacionalista, até O Futuro de Angola ou O Pharol do Povo, muitos contribuíram para a informação, elevação cultural e promoção das línguas e culturas locais.

O primeiro jornal de africanos chamava-se Echo de Angola (1881), inaugurando duas décadas de frenética actividade jornalística (que se prolongaria, depois, até aos anos 20) e que ficaria conhecida por período da imprensa livre africana, terminando exactamente com a fundação de A Província de Angola (1923), primeiro jornal de tipo moderno, industrial, que passou a quotidiano em 1926, perdurando ainda hoje as instalações ao serviço do Jornal de Angola. A censura, que já funcionava, aprimorou-se e acabou com as últimas veleidades de uma imprensa realmente democrática e livre. Na época florescente da imprensa livre, apareceram jornais escritos simultaneamente em português e quimbundo, como o Muen ‘cxi (= o senhor da terra) e o Mukuarimi (= o «linguarudo»), dirigidos por Alfredo Troni. Nos últimos vinte anos de Oitocentos, pugnaram por uma Angola autónoma, mais livre e desenvolvida, jornalistas-intelectuais como Arantes Braga, José Fontes Pereira de Melo, Pedro Félix Machado ou Cordeiro da Matta.

No dealbar do novo século, algumas publicações literárias marcaram o desejo de emancipação dos «filhos do país», de que cumpre destacar as duas seguintes:

Voz d’Angola — clamando no deserto (1901), colectânea de artigos não assinados contra um artigo colonialista;

• revista Luz e Crença (1902), cujo segundo número saiu um ano depois.

Esta última era promovida pela Associação Literária Angolense, cuja sigla, «Liberdade, fraternidade, igualdade», alerta para os ideais republicanos. Pugnava-se por um espírito de instrução, autonomia política e crítica social e institucional.

Foram líderes e nomes cimeiros desta geração, entre outros, Francisco Castelbranco, Silvério Ferreira, Paixão Franco, Lourenço do Carmo Ferreira e Domingos Van Dúnem (não confundir com o homónimo, nascido em 1925 e hoje embaixador do seu país na UNESCO).

É, pois, através dos jornais que os letrados fazem a aprendizagem da escrita, vendo os seus escritos em letra de forma, assim modelando a própria concepção de intervenção literária, que ficaria marcada por essa prática intrínseca de concretude e explicitude, a não ser quando toda a sorte de preciosismos (saídos do ultra-romantismo, parnasianismo e decadentismo) tomava conta da efusividade lírica. Esse desígnio jornalístico — ou melhor, de comunicação social, à letra — marcaria decisivamente os escritores de África, que quase sempre assistiam à divulgação dos seus textos através de compilações e antologias, antes de os poderem ver estampados em livro, um objecto a que poucas vezes tinham acesso, por dificuldades de vária ordem (censura, perseguição, pobreza, desleixo, dispersão, etc., que foram aumentando em crescendo até à independência).

Ensino

A educação nas colónias portuguesas registava, ainda a entrada dos anos 60, níveis baixíssimos. O analfabetismo atingia, em Angola, quase 97%; em Moçambique, quase 98%; na Guiné-Bissau, perto dos 100 %; só em Cabo Verde o nível era mais elevado, rondando os 78,5%. O analfabetismo devia-se à política portuguesa de criar uma elite muito restrita de assimilados para servirem no sector terciário, ao mesmo tempo que deixava as populações entregues a si próprias, sem permitir o seu auto-desenvolvimento ou, no pior dos casos, usando-as como mão-de-obra escrava ou barata.

Como escreveu o poeta angolano António Jacinto, em «Carta dum contratado» (1950):

Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu — Oh! Desespero! — não sei escrever também!

[…] No começo do século XIX, os padres e párocos eram escassos nas colónias. Com o liberalismo, o ensino passou, em 1834, para o domínio do Estado, tomando-se laico. A partir de 1869, voltou a ser apoiado nas Missões. Todavia, o seu progresso foi lentíssimo.

Em Angola, os grandes centros populacionais tinham escolas oficiais e particulares para brancos e nas zonas rurais havia as missões para negros. O ensino manteve-se, durante muitos séculos, exclusivamente a nível primário.

Três anos depois da instauração da República, deu-se a separação da Igreja e do Estado, substituindo-se as missões religiosas por laicas, para, seis anos mais tarde, as missões católicas serem auxiliadas financeiramente pelo Estado, altura em que, em Luanda, foi fundado o Liceu Salvador Correia. Em 1926, as «missões civilizadoras» foram abolidas devido ao seu fracasso no terreno.

A língua usada nas escolas e fora delas, por professores, missionários e auxiliares, era a portuguesa, que, com as línguas nativas, servia para o ensino da religião. Mas, até II Guerra Mundial, o objectivo da assimilação, perseguido em teoria pelas autoridades, não teve expressão. Após 1945, a política governamental procurou acelerar a assimilação, fazendo um esforço para generalizar o ensino primário, desenvolver o secundário, sobretudo técnico, a educação agrícola e criando instituições para a formação de professores. Todavia, o ensino superior, ao contrário de outras colónias, inglesas ou francesas, apenas estava ao alcance de um número muito reduzido de estudantes, sobretudo brancos e mestiços. Com a fundação e a pressão exercida pelos movimentos nacionalistas, e logo depois do início da luta de libertação nacional armada (Luanda, 1961), foram instalados os Estudos Gerais, de nível universitário, a partir de 1963, nas cidades angolanas de Luanda, Sá da Bandeira e Nova Lisboa, e na capital moçambicana, até hoje os únicos territórios que deles beneficiaram.

Os próprios movimentos de libertação nacional, de que resultariam os partidos no poder, após 1975, criaram o seu ensino e alfabetização, que não tiveram um verdadeiro alcance de massificação, devido a apenas atingirem os escassos milhares de militantes na clandestinidade e faixas de população que os apoiavam. O MPLA, FNLA e UNITA (Angola), o PAIGC (Guiné-Bissau e Cabo Verde) e a FRELIMO (Moçambique) não tiveram tempo nem meios para, antes da independência, poderem substituir a escola colonial. MPLA (1956), PAIGC (1956) e FRELIMO (1962) tinham essencialmente preocupações políticas e militares, mas dedicavam uma atenção especial às questões culturais. Os outros movimentos, nascidos de dissensões, nunca tiveram qualquer preocupação nesse sentido. O MLSTP (de São Tomé e Príncipe) nasceu pouco antes da independência.

Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (vol. 64), Lisboa, Universidade Aberta, 1995, pp. 18-21

3. LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA:  UM FENÓMENO DO URBANISMO


As literaturas africanas modernas, isto é, aquelas que se exprimem na língua de colonização, têm a sua emergência indubitavelmente ligada ao urbanismo […]

Colonização que, como é sabido, levou à Africa tradicional factores de desestruturação que actuaram em todos os níveis da organização cosmológica das sociedades negras. Sociedades cujos sistemas de valores consuetudinários foram afectados, ou mesmo destruídos, pelo cartesianismo da filosofia colonizadora que, aliada ao cristianismo de raiz urbanizante, muito fez para despaganizar a cultura negra cujo animismo jamais conseguiu entender. Essa despaganização era acompanhada pelo sacrifício da ruralidade, enquanto imanência do binómio homem-natureza governado pela força vital, pelo muntu, garante da ancestralidade geradora do iniciatismo característico da civilização africana, abalando profundamente o mundo do homem negro, que foi existencialmente agredido por «la violente césure qu’a constituée l’intrusion de l’Europe chrétienne et cartésienne, et de l’Asie musulmane, dans un monde aussi animiste», como observa Amadou Ly (1983:37). Esse sacrifício da ruralidade abria caminho para o advento do urbanismo […]

A cidade é, portanto, a realidade emblemática da colonização e do sistema colonial, a que ela conduziria, uma vez que, como referia Kane, ela, a cidade, é simultaneamente um polo catalisador e difusor dos valores culturais e civilizacionais de que os colonizadores eram portadores. Nestes termos, ela representa já um centro de aliciamento para todos aqueles que, no raio da sua influência lhe sentem o efeito, sujeitos que estão, a partir daí, ao poder atractivo que a novidade da cidade e dos seus costumes implica. A cidade passa, pois, a ser uma meta a atingir por aqueles que vêem nela a possibilidade de melhoria do seu estatuto social e económico e que, por isso, vão provocar um êxodo rural considerável, que vinha instalar-se, normalmente, nas zonas circundantes dos núcleos citadinos, onde, entretanto, se forjava uma burguesia constituída por brancos, alguns negros e alguns mestiços, disposta a marcar o ritmo da evolução cultural, enquanto se engrossava o caudal de despaganizadores que, atraídos pelos empregos gerados pela actividade comercial e industrial urbana formavam os muceques ou os caniços que punham a claro as assimetrias e as injustiças do sistema colonial cuja rede se entretecia.

Transferido do seu espaço vital característico, onde a sua identidade cultural e civilizacional não era interferida por factores alienígenos, para um espaço outro, onde era forçado a outrar-se, pensando, ilusoriamente, que lhe seria permitido o ingresso na cidade e a participação na nova cultura, o homem negro vai acumulando frustrações, ao mesmo tempo em que cresce nele a revolta pela marginalidade a que o votavam, acentuando-se a sua dramática divisão interior entre a fidelidade de pertencer ao mundo tradicional e a necessidade económica de ter de viver, segundo modelos civilizacionais aniquiladores daquele. Esta dramática divisão é, por certo, a responsável pela geografia física quase labiríntica desses «bairros de areia» povoados por gentes das mais diversas proveniências etnolinguísticas e com as mais diversas ocupações, desde o operário industrial ao empregado comercial, ao amanuense, aos domésticos, às lavadeiras, aos cozinheiros, etc. O labirinto, em que se vai transformando o espaço dessas «areias babélicas», como diz Luandino Vieira, pode ser interpretado como uma garantia para os seus habitantes de que nele seria possível preservar e cultuar os valores culturais que são basicamente os seus, uma vez que o europeu, o outro, habitante da cidade de asfalto, seria incapaz de descodificar tão complexa semiótica espacial e, por isso mesmo, de perturbá-la com os ataques que, inevitavelmente, lhe dirigiria.

Reduto da defesa de valores culturais e civilizacionais comuns, apesar das diferenças etnolinguísticas que nele coabitavam, o muceque interessa-nos literariamente numa tripla dimensão. Primeiro, como apêndice social colonial, onde se desenvolveu paulatinamente um proletariado que fecundou as sementes anti-coloniais que a própria colonização gerava em si. Segundo, como cadinho do português que servia naturalmente de língua de comunicação e que, usado por falantes de diferentes regiões etnolinguísticas, seria naturalmente sujeito a influências segmentais e suprassegmentais diversas que lhe moldaram a face característica da fala mucéquica, ponto de partida para o discurso verbal das literaturas africanas de expressão portuguesa. Terceiro, como instituição cultural e socioeconómica, fonte de inspiração para textos poéticos ou narrativos denunciadores do regime colonial de que o muceque era uma exemplar vítima, enquanto lugar de exílio ou de desterro para gentes despaganizadas em processo de distanciação dramática das suas origens civilizacionais.

Esta tripla dimensão do espaço urbano — muceque — está presente, desde as origens, nas literaturas africanas de expressão portuguesa que, como outras literaturas africanas em língua de colonização, são verdadeiramente um fenómeno do urbanismo, isto é, alimentam-se essencialmente das contradições e da dialéctica sociocultural geradas pelo advento da cidade à África. Aqui poderíamos ser levados a concluir que tais literaturas nada teriam a ver com a literatura negra tradicional que, como se sabe, tem as suas raízes na ruralidade, na Terra, o que lhe dá uma marca profundamente telúrica. Todavia, conscientes de que «la voie la plus courte vers l’avenir est toujours celle qui passe par l’approfondissement du passé» (cf. Césaire), alguns escritores sempre procuraram trazer para o ambiente urbano, ou urbanizante, dos seus textos essa Africa tradicional da qual o homem negro, despaganizado pela colonização, não conseguia, nem queria, libertar-se.

Até aos princípios dos anos 1940, porém, não existia ainda a oposiçào irredutível entre a cidade e o muceque. Apesar de tudo, enquanto o asfalto não chegou, ainda foi possivel um certo diálogo entre os dois espaços, como o atestam muitos textos africanos de expressão portuguesa, onde a infância é evocada como uma idade quase edénica que se vivia despreocupada das questões rácicas e sociais que o avanço avassalador do asfalto veio a criar. A infância é, sem dúvida, um dos temas que, nas literaturas africanas de expressão portuguesa, mais evidencia a sua origem urbana. Com efeito, quase todos os poetas e ficcionistas dessas literaturas glosam o binómio cidade-infância, como plataforma para uma escrita denunciativa e insubmissa. Outros exemplos poderiam ser citados, mas bastará recordarmos o título do primeiro livro de Luandino Vieira — A Cidade e a infância (1960) —, para verificarmos até que ponto é que esse binómio teve importância na emergência das literaturas africanas lusófonas. […]

Luanda é muito mais a Luanda dos muceques do que a Luanda do asfalto, que a crescente europeização tornava cada vez mais estrangeira aos filhos do país e àqueles que a adoptavam como mátria ou pátria de criação literária. É esse, aliás, o sentido da conhecida «Canção para Luanda», de Luandino Vieira:

A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
— Luanda onde está?

Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos

— Xé, mana Rosa peixeira
responde?

— Mano
Não pode responder
tem de vender
correr a cidade
se quer comer!
«Ola almoço, ola alrnoçoéé
matona calapau
ji ferrera ji ferrerééé»

— E você mana Maria quitandeira
vendendo maboques
os seios-maboque
gritando
saltando
os pés percorrendo
caminhos
de todos os dias?
«maboque m’boquinha boa
dóce dócinha»

[…]

As casas antigas
o barro vermelho
as nossas cantigas
tractor derrubou?

Meninos nas ruas
caçambulas
quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?

— Manos
Rosa peixeira
quitandeira Maria
você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
— Luanda onde está?

[…]

Quitandeira: vendedora de frutas, hortaliças, aves, peixes, etc.
Maboque: fruto de casca dura, verde, comido simples ou com açúcar.

Luandino Vieira lançou, assim, a interrogação da busca da cidade, aliada da infância, que o urbanismo colonial fez desaparecer. A «fronteira do asfalto» e o tractor, símbolos da destruição desse espaço existencial compartilhado por brancos, negros e mestiços, geraram, portanto, o homem do muceque que, empurrado para a periferia geográfica e social da língua de dominação, vingar-se-ia dela, forçando-a a africanizar-se para dizer, através da literatura, a mensagem libertadora inspirada na tradição e apontada para a revolução. O escritor africano de expressão portuguesa, senhor desta nova fala que o urbanismo gerou nos muceques, conseguia, assim, ultrapassar, em parte, o exílio das suas personagens, através duma escrita que virava contra o colonizador a sua própria língua. […]

Parece-nos bem que a «tortura», a que o muceque submeteu a língua de empréstimo, modelando-a até limites expressivos, por vezes, impensáveis, neutraliza perfeitamente o exílio em que nasceu a escrita da moderna literatura africana de expressão portuguesa. O urbanismo colonial provocou, de facto, o exílio ao homem negro, despaganizando-o e afastando-o das suas raízes culturais e civilizacionais, mas, ao mesmo tempo e em atitude, por assim dizer, suicida, criou-lhe as condições para prometeicamente se vingar dele, por meio duma genuína expressão literária que não encontra paralelo em nenhuma das outras literaturas africanas em língua de colonização.

Salvato Trigo, 1984
Ensaios de Literatura Comparada (Afro-Luso-Brasileira)
, Lisboa, Vega, s/d, pp. 53-60

 

4. PRECURSORES DAS LITERATURAS AFRICANAS

Aparecidos em duas épocas distantes, e portadores de experiências diferentes, Costa Alegre, originário de S. Tomé, e Rui de Noronha, de Moçambique, podem ser considerados como os precursores da literatura africana de expressão portuguesa, no domínio poético.

A obra de Costa Alegre, vinda a lume em 1916, foi inteiramente escrita em Portugal, por voltas de 1880. O arquipélago de S. Tomé encontrava-se na fase decisiva de mutação das suas estruturas sociais, em que a iniciativa da direcção económica e o controle das riquezas agrícolas eram intensamente disputados pelos colonos aos «filhos da terra». A poesia de Costa Alegre não regista nenhum eco dessa tensão e não faz nenhuma menção precisa à conjuntura insular. Ela reflecte uma forma de tomada de consciência da condição do negro ferido na sua cor. Atingido no mais íntimo do seu ser pelas humilhações que sofreu num meio social que lhe era hostil, dilacerado pelo isolamento e por decepções amorosas, Costa Alegre refugia-se num universo de autocondenação racial.

Tu tens horror de mim, bem sei, Aurora,
Tu és o dia, eu sou a noite espessa,
Onde eu acabo é que o teu ser começa.

Não amas!... flor, que esta minha alma adora.

És a luz, eu a sombra pavorosa,
Eu sou a tua antítese frisante,
Mas não estranhes que te aspire formosa,
Do carvão sai o brilho do diamante.

(Costa Alegre, «Aurora», in Versos, 1946, p.26)

Rui de Noronha exprime timidamente, nos anos trinta, os conflitos suscitados pela sociedade em que se desenrolou a sua existência. Sensível ao espectáculo da opressão, mas isolado na sua démarche, prisioneiro do seu misticismo, o poeta viveu o drama da sua impossível realização, em tanto que assimilado.

Traduz em tom brando de lamentação contemplativa a dor que lhe causava a vida das massas africanas, mas professa claramente a resignação. Rui da Noronha apela, à sua maneira, para a libertação africana, como testemunha o seu soneto «Surge et ambula»:

Dormes! e o mundo marcha, ó pátria do mistério.
Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo…
O progresso caminha ao alto de um hemisfério
E tu dormes no outro o sono teu infindo...

[…]

Desperta. Já no alto adejam negros corvos
Ansiosos de cair e de beber aos sorvos
Teu sangue ainda quente, em carne de sonâmbula...

Desperta. O teu dormir já foi mais que terreno...
Ouve a voz do Progresso, este outro Nazareno
Que a mão te estende e diz: — Africa, surge et ambula!

Rui de Noronha esteve, contudo, longe de lançar as bases de uma completa identificação com o seu povo.

Mário de Andrade, Antologia temática de poesia Africana 1, Lisboa, Sá da Costa, 1976, pp.3-4

 
5. MOVIMENTOS POLÍTICO-CULTURAIS DO PRINCÍPIO DO SÉCULO XX
E SUA IMPORTÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DAS LITERATURAS AFRICANAS.


5.1. DOS RENASCIMENTOS NEGROS À NEGRITUDE

A Négritude lançou as suas raízes até aos movimentos culturais protagonizados por negros, brancos e mestiços que, desde as décadas de 1910, 20 e 30, vinham pugnando por um Renascimento Negro (busca e revalorização das raízes culturais africanas, crioulas e populares) principalmente em três países das Américas, Haiti, Cuba e Estados Unidos da América, mas também um pouco por todo o lado.

A ideia de Renascimento, Indigenismo e Negrismo surge nas Américas, principalmente nos Estados Unidos da América e nas Caraíbas, como consequência das Luzes e do Romantismo que levaram à abolição da escravatura, à assunção romântica do Volksgeist [o sentimento e o espírito do povo], à identificação da real composição do mosaico cultural de raiz popular e, logo, nacional, e, finalmente, à possibilidade de, após a Revolução Francesa, os povos supostamente poderem assumir a liberdade e a igualdade e se poderem pronunciar (ganhar voz) na ocorrência dos movimentos de independência ou do reconhecimento desta como alvará de igualdade cultural e social de todos os grupos sociais. Tal como no Renascimento europeu, os três conceitos e tipos de movimento político, cultural e literário implicam uma comum ideia de reconhecimento e revalorização do passado próprio de cada povo, este, no contexto específico das Américas, no sentido de grupo etno-social, ou seja, do negro e do indígena (este mesmo podendo ser o negro, na ausência de outro originário). De fora fica o branco, por ser considerado exactamente o causador da repressão, também cultural, que se abate sobre os outros dois, sem excluir a participação daqueles brancos que assumem como suas, mais nuns casos do que noutros, por mais ou menos tempo, as culturas deles.

O termo Négritude aparece no longo poema «Cahier d’un retour au pays natal», de Aimé Césaire, poeta da Martinica, que foi publicado na revista Volontés, 10 (1939). A palavra passou a nomear o movimento que se desenrolava por toda a década de 1930, nomeadamente em Paris, cadinho de estudantes, intelectuais e políticos que marcaram profundamente a vida política e cultural do mundo negro. […]

Social e ideologicamente, a Négritude constituiu-se como o processo de busca de identidade, de conduta desalienatória e da defesa do património e do humanismo dos povos negros. Recusou a assimilação a modelos externos à história negro-africana, embora consciente dos contributos aculturativos, sobretudo nas cidades. A Négritude pretendia a criação de um estilo próprio, no desejo de se demarcar dos modelos e motivos históricos das literaturas ocidentais.

A poesia da Negritude distingue-se da restante literatura africana de língua portuguesa pelo obsessivo tratamento da raça e da cor negras, qualificando-as com valores reais e simbólicos, reagindo, desse modo, ao racismo branco: «o sangue negro, o sangue bárbaro» (Noémia de Sousa). Os triunfadores e mestres negros da diáspora e do próprio continente africano são aclamados como paradigmas exemplares a seguir pelos iniciados: Joe Louis, Jesse Owens (respectivamente, pugilista e atleta norte-americanos), Louis Armstrong (jazzman norte-americano), Césaire (negritudinista da Martinica), Toussaint Louverture (revolucionário haitiano oitocentista). Langston Hughes, Claude Mckay (líderes literários do renascimento negro norte-americano), Chaka (chefe guerreiro zulu), Nzinga (rainha jaga que lutou contra os portugueses no início da colonização), Senghor (um dos autores da Négritude).

Nega-se, dessa forma, não o valor das culturas europeias (ou quaisquer outras), mas a sua dominação sobre as culturas africanas, pelo poder imperial e colonial. Chega-se assim à recusa textual da «música fútil/das valsas de Strauss» (Noémia de Sousa), afirmando ironicamente: «cresçam sinfonias de Beethoven/e poemas que o amigo Mussunda não entende» (Agostinho Neto).

A África, o negro e a Mãe-Negra (Mãe-África ou Mãe-Terra) ocupam nos textos um lugar de destaque, como referências, alusões ou temas, numa declaração humanística de povos até aí apresentados e representados (na literatura colonial) como destituídos de história, cultura e mesmo de sentimentos. Segundo a análise de Sartre, no prefácio à Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache (1948), de Senghor, dá-se a revalorização (e a sobrevalorização) das culturas e modos de vida ancestrais (tribais, clânicos), com o culto dos antepassados, o animismo e a respectiva animização retórica da natureza, o pan-sexualismo vitalista, a visão eufórica e ufanista das relações sociais e familiares nas tribos e no mundo rural e natural. Ou seja, opõe-se ao mundo tecnológico e racionalista dos europeus o mundo natural e sensitivo dos africanos, num posicionamento que receberia críticas devastadoras dos homens empenhados na abertura de África ao mundo moderno, através de revoluções socialistas.

Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (vol. 64), Lisboa, Universidade Aberta, 1995, pp. 28-29


5.2. LITERATURAS EMERGENTES: NACIONALISMOS E IDENTIDADE

Entre 1880 e os fins do século passado, num clima de acesas lutas políticas, sucederam-se duas gerações que marcaram a vida intelectual de Angola, particularmente dominada pelo jornalismo. Aproveitando as possibilidades de expressão abertas pela lei portuguesa sobre a liberdade de imprensa, aplicada efectivamente durante um certo período na colónia, os angolanos lançaram jornais e revistas literários. […]

Fundada em Março de 1936, a revista Claridade, primeira manifestação intelectual de conjunto da elite crioula, significou uma viragem no movimento literário de Cabo Verde. Segundo os seus mais ilustres representantes, Jorge Barbosa, Baltasar Lopes (aliás Osvaldo Alcântara) e Manuel Lopes, a preocupação essencial residia na análise do processo de formação social do arquipélago e no estudo das suas raízes. […]

Os escritores do movimento Claridade, condicionados pela sua formação ideológica, adoptaram um ângulo de visão de «classe» para abarcar o universo insular. Não se atacaram ao fundamento dos dramas da terra (a seca, a fome e a emigração) e muito menos perspectivaram a superação das atitudes resignadamente contemplativas. A sua poesia, dominada pelo tema da evasão, afastou-se do inquérito aos sentimentos populares. Como produto esteticamente acabado do elitismo, ela passou ao lado do clamor das massas das ilhas.

Ao examinarem o processus de aculturação em Cabo Verde, os animadores de Claridade e outros autores afirmaram que as contribuições da cultura africana tendiam a reduzir-se ao nível de sobrevivências ou a diluir-se em função do grau de instrução e de urbanização do meio, enquanto os valores europeus, possuidores de uma maior capacidade de resistência, se impunham e se generalizavam. […]

A evolução dos acontecimentos iria demonstrar como as ilhas encontraram a sua verdade histórica, através da unidade operada na luta solidária do guineenses e de cabo-verdianos, pela libertação nacional.

Foi na linha deste pensamento que a nova geração cabo-verdiana, após o severo julgamento dos Claridosos, estabeleceu a ponte de ligação com os movimentos culturais que surgiriam em Angola e em Moçambique. […]

Vamos descobrir Angola — tal foi, nesta perspectiva, a palavra de ordem lançada em Luanda, em1948, por um grupo de estudantes e de jovens intelectuais. Coube a Viriato da Cruz o mérito da sua formulação teórica e estética:

«O movimento», escreveu ele mais tarde, «deveria retomar, mas sobretudo com outros métodos, o espírito combativo dos escritores africanos dos fins do século XIX e dos princípios do actual. Esse movimento combatia o respeito exagerado pelos valores culturais do Ocidente (muitos dos quais caducos); incitava os jovens a redescobrir Angola em todos os seus aspectos através dum trabalho colectivo e organizado; exortava a produzir-se para o povo; solicitava o estudo das modernas correntes culturais estrangeiras, mas com o fim de repensar e nacionalizar as suas criações positivas e válidas; exigia a expressão dos interesses populares e da autêntica natureza africana, mas sem que se fizesse nenhuma concessão à sede de exotismo colonialista. Tudo deveria basear-se no senso estético, na inteligência, na vontade e na razão africanas.» […]

Tomada no seu conjunto, a evolução da moderna poesia africana de escrita portuguesa e crioula comporta três fases essenciais: a primeira, a da negritude, entendida como negação da assimilação ou, para utilizar a expressão de Aimé Césaire, como «postulação irritada e impaciente de fraternidade».

A Ilha de Nome Santo, de Francisco José Tenreiro (colecção «Novo Cancioneiro», vol. 9, Coimbra, 1949), marca o ponto de partida. O poeta procura ligar, primordialmente, a sua condição de homem insular ao mundo dos oprimidos, e revaloriza o património cultural negro-africano. É uma voz solitária, então no exílio, que se levanta para cantar S. Tomé e exaltar a negritude em língua portuguesa:

Quando cantas nos cabarés
fazendo brilhar o marfim da tua boca
é a África que está chegando!

Quando nas Olimpíadas
corres veloz
é a África que está chegando!

Segue em frente
irmão!
Que a tua música
seja o rumo de uma conquista!
E que o teu ritmo
seja a cadência de uma vida nova!
…para que a tua gargalhada
de novo venha estraçalhar os ares

como gritos agudos de azagaia!

[…] A segunda fase, suscitada pelo alargamento e ultrapassagem da negritude, é o momento da particularização. Os poemas precisam os contornos nacionais e incidem mais profundamente no real social. A criação literária vai ritmando o desenvolvimento da consciência nacional, quando se esboça a estrutura dos movimentos políticos. De 1953 a 1960, aproximadamente, a poesia apreende a trama dos acontecimentos que caracterizam as, mutações na sociedade colonizadora. Daí a actualização da sua temática.

O próprio enraizamento dos poetas no chão nacional determina a convergência de temas e a unidade de tom. De todas as colónias erguem-se vozes de denúncia: poetas cabo-verdianos asfixiam o desespero de querer partir / e ter que ficar, vinculando-se definitivamente aos diversos níveis das realidades africanas, Alda do Espírito Santo exige justiça para os carrascos da sua terra.

E quando os povos de Angola, da Guiné e de Moçambique retomam pela via armada a iniciativa histórica que modela o seu devir nacional, entramos na terceira fase desta poesia: as balas começam a florir, dirá Jorge Rebelo.

Mário de Andrade, Antologia temática de poesia Africana 1, Lisboa, Sá da Costa, 1976, pp. 4-10.

6. LINHAS DE AFIRMAÇÃO DA POESIA AFRICANA

Algumas linhas de afirmação desta poesia devem ser destacadas.

1. Há uma evidente proximidade entre a cultura africana escrita e a cultura europeia, proximidade esta bem saliente no domínio da literatura.

No caso da poesia de Cabo Verde são evidentes as afinidades com a poesia lírica portuguesa, nomeadamente nos modos como nela se exprime o sentimento de insularidade. Este facto, efeito de aculturação, visível não apenas na poesia daquelas ilhas deve-se, contudo, à difusão da cultura europeia, através dos liceus que, a partir do princípio e de meados do século, começaram a ser implantados nos pólos urbanos por toda a África.

A própria consciência de nação, que vemos ser afirmada nesta poesia, origina-se no impacto do sistema de escrita ocidental sobre uma cultura oral de origem tribal.

2. Vários movimentos e iniciativas culturais empenhados na afirmação da cultura negra — não apenas africana — têm origem em centros urbanos europeus e norte-americanos. É o caso das iniciativas em torno da Casa dos Estudantes do Império sediada em Lisboa, do movimento designado por Negritude, centrado em Paris e apoiado por intelectuais europeus, como Sartre, do movimento Black Renaissance surgido em Harlem.

Estes movimentos são responsáveis por algumas linhas de sentido evidentes nestes poetas:

2.1. a intenção de denúncia da condição do negro na relação com o homem branco;

2.2. a afirmação de uma identidade própria da poesia negra, nalguns casos, especificamente expressão do homem africano e com ele do próprio continente.

A propósito do último aspecto apontado, é de notar a frequente referência a uma realidade telúrica cuja estranheza para o homem europeu (claramente o interlocutor privilegiado desta afirmação) se manifestará no léxico, sobretudo o relativo a nomes comuns. — e este aspecto é da maior importância na poesia de Craveirinha — e em múltiplas descrições, como, por exemplo, a que tem por objecto os rios de Moçambique, comparados com os grandes rios europeus, no poema Hidrografia de Alfredo Margarido.

No poema Deixa passar o meu povo da poeta moçambicana Noémia de Sousa, já não é o exotismo dos nomes que desencadeia a presença de uma realidade, mas uma frase emblemática. “let my people go” capaz de convocar a riqueza de um cultura inseparável da condição de negro por esse mundo fora, da sua história e das mitologias dessa história.

Valerá a pena chamar a atenção para:

— a atmosfera em torno de uma exaltação de insónia: a noite africana, as ondas da rádio, veículo do refrão “let my people...” (frase emblemática do movimento Black Renaissance), estabelecendo uma corrente com as ondas nervosas: “Nervosamente sento-me à mesa e escrevo [...] E já não sou mais que instrumento […]";

— a importância simbólica do aparelho de rádio trazendo para o interior da noite africana a música negra de outro continente: “Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro / enquanto escrevo noite adiante / com Marian e Robeson vigiando pelo olho luminoso do rádio / [...] / E enquanto me vierem de Harlem / vozes de lamentação / [...] / Escreverei, escreverei, / com Robeson e Marian gritando comigo: / “Let my people go” / [...]“.

(Procure o CD Jazz Heritage Séries, vol. 1, Louis Armstrong, Louis and The Good Book, ed. M.C.A., 1983. A canção 3, intitulada “Go Down Moses” (espiritual negro) tem como refrão, constantemente repetido, essa mesma frase, “let my people go”. Esta canção data do tempo da escravatura.)

Cadernos de Literatura 10º Ano. Livro do Professor, Cristina Duarte, Amadora, Raiz Editora, [1993], pp.76-77


 7. FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DAS LITERATURAS AFRICANAS  DE LÍNGUA PORTUGUESA

UM SÉCULO DECISIVO

Temos o privilégio de assistir à formação e desenvolvimento das literaturas africanas de língua portuguesa, em mais de um século de escrita e de publicação. É com carinho e alegria que se contabilizam todos os escritos e autores e se desenvencilham diacronias e influências. Estamos possuídos pela ilusão de que, por tudo estar tão perto e ser tão pouco, se torna fácil compreender e classificar para, ainda mais facilmente, teorizar. Convém recordar, todavia, que, até tornar-se um sistema nacional, uma literatura passa por fases de hesitação e de indefinição. As literaturas africanas dos Cinco são escritas em português, língua de colonização, não existindo tradição de escrita nas línguas africanas.

O primeiro prelo seguiu para Angola em 1849. Um ano depois saiu o Boletim Oficial, incluindo já incipientes textos literários como era de uso na época. Cerca de trinta anos mais tarde, verifica-se o surto da imprensa livre angolana, na qual ensaiaram experiências literárias e terçaram armas pela democracia, republicana intelectuais africanos o portugueses. Literatura e jornalismo conviviam, no século XIX, a ponto de se influenciarem mutuamente. A crónica e o panfleto de cariz doutrinário e político faziam género. O folhetim narrativo agradava na colónia e obrigava à reedição na imprensa da metrópole colonizadora.

Africanos, portugueses e brasileiros publicavam nos espaços comuns dos almanaques, boletins, jornais, revistas a folhetos. Não tinham surgido ainda as designações de literatura angolana, moçambicana ou são-tomense com carácter de sistema nacional, mas a escrita já deixara de ser espaço de europeidade absoluta para se tornar contaminação relativa de línguas. De facto, poetas portugueses o angolanos intercalavam no texto em português, mais extenso, frases, diálogos, versos, lexemas em língua banta (quase que exclusivamente o quimbundo). A integração é perfeita, na coerência do sentido e da sonoridade e na coesão dos segmentos e ritmos. Poemas há soando aos ouvidos como se produzidos numa só língua natural.

O trabalho literário unifica as línguas, como que galvanoptastizando a substância da expressão. Tal efeito de produtividade só é possível numa poetogénese conseguida à custa da integração antropocultural do intelectual português, ou seja, e para utilizar uma curiosíssima palavra do vocabulário colonialista, à custa da sua cafrealização. Foi o que aconteceu com o português Alfredo Troni, escritor, jornalista e advogado de filiação socialista proudhoniana e republicana, desterrado para Luanda, onde desenvolveu profícua e incalculável agitação cultural e cívica. Por seu turno, intelectuais africanos como Cordeiro da Mata empenharam-se em trabalhos de pesquisa linguística, sociológica e etnográfica que favoreceram uma atmosfera de aprofundamento do saber sobre as realidades africanas, contribuindo para que a literatura pudesse perder, a pouco e pouco, o lastro negativo do exotismo e do ultra-romantismo serôdio.

Em todos os poetas do século XIX, mantém-se a rima final e, em, grande percentagem, a medida da redondilha maior, características tradicionais de muita poesia popular europeia. Sabemos como esse tipo de procedimento literário não procede da tradição popular africana. Só muito mais tarde, já na década de 30, é que a geração da Claridade caboverdiana abandona esses princípios poéticos, enfileirando no cultivo do verso livre, aproveitando a lição dos modernismos português e brasileiro. Mas os escritores caboverdianos, nessa altura, não reivindicavam propriamente uma especificidade africana, se bem que fosse inequívoco o seu sentido da caboverdianidade, da literatura enquanto sistema de comunicação com poder autonómico face à situação política e jurídica do arquipélago.

Depois de terem prestado homenagem à tradição literária portuguesa, de Camões ao parnasianismo, os escritores africanos, no segundo quartel do século XX, trocam de paradigma, inspirando-se nos brasileiros e norte-americanos A introdução do ensino laico nas colónias e a vinda de estudantes para Portugal incrementaram notavelmente uma nova mentalidade cultural sustentada por ideologias como o socialismo anarquista, o republicanismo, o proudhonismo e, mais tarde, o pan-africanismo. Nas colónias, a intervenção maçónica de exilados e desterrados portugueses foi decisiva no movimento operário, com repercussões na intelectualidade, como em Moçambique. A literatura ganha corpo nacional consoante vai trocando o corpo da negra e da mestiça pelos do contratado e do branco, expondo-lhes as alienações e as misérias humanas. Se tomarmos a narrativa angolana como sintoma dessa evolução progressiva e progressista, verificamos que o espaço físico e social progridem no mapa humano e geográfico à medida que se consuma a diacronia: a narrativa Nga Mutúri, de Alfredo Troni, tem como cenário principal uma Luanda permissiva e condescendente, onde se cruzam personagens típicas de todas as profissões e escalões sociais, nomeadamente o sector terciário; o romance de António de Assis Júnior O Segredo da Morta desenrola-se entra costa marítima e uma faixa interiorana que não ultrapassará os trezentos quilómetros, com percursos fluviais e terrestres, carregadores e comerciantes, episódios rocambolescos e frases em quimbundo; a acção da trilogia de Castro Soromenho (Viragem, Terra Morta e A Chaga) passa-se no interior de Angola e novas personagens afluem à narrativa angolana: chefes tribais, funcionários administrativos, exrevolucionários retraídos, comerciantes do mato, cipaios, etc.

Quando os poetas caboverdianos dispensam as alusões clássicas greco-latinas ou renascentistas (em que era pródigo um José Lopes) e assumem a modernidade discursiva e textual, configurando efeitos de referencialidade que passam pela concreticidade da denúncia frontal ou velada da exploração, opressão e repressão do sistema colonial, a literatura deixa de poder integrar pacificamente as antologias e histórias da literatura portuguesa. Marcada por transparentes desejos de emancipação, liberdade, autodeterminação e independência, a literatura africana, em geral, fala-nos de conflitos sociais, do estatuto do colonizado, de guerras (de guerrilhas) e de revolução, ainda que, muitas vezes, sob o manto diáfano da criptografia.

Até 1942, ano em que Tenreiro publica a Ilha do Nome Santo, decorre aproximadamente um século, decisivo para a formação das literaturas africanas de língua portuguesa. A escrita dessas literaturas denuncia as hesitações entre uma norma de raiz escolar europeia (lisboeta ou conimbricense) e um bilinguismo textual inusitado e causador de eleitos de estranheza no público acaciano. A intencionalidade de ruptura no circuito comunicativo preside à elaboração de alguns textos posteriores, como se pode ver nas primeiras edições de José Luandino Vieira, nas quais as epígrafes, em quimbundo, não eram traduzidas. Nos poetas do século XIX, o quimbundo é traduzido no próprio poema, como acontece, por exemplo, com Kicôla!, de Cordeiro da Mata. Nesse tempo havia condições propícias a tais práticas dialógicas, que a 1 Guerra Mundial alterou bruscamente, modificando a estratégia universal em relação às colónias.

Encerrado o ciclo da imprensa e da literatura livres de condicionalismos políticos, abriram-se as portas à literatura colonial, apoiada por organismos do Estado português. Uma torrente de prosa exótica sufocou a metrópole e ratificou o espírito tarzanístico. Os intelectuais africanos retiraram-se para as suas associações culturais ou políticas disfarçadas de recreativas e só muito esporadicamente criaram algo de novo, na tradição do século XIX. Foi necessário esperar por 1936, em Cabo Verde, 1942, em Portugal, e 1948, em Angola, para que as literaturas africanas de língua portuguesa não mais deixassem de ter sequência. Ao surto definitivo dessas literaturas não são alheios os acontecimentos políticos e militares de 1936 a 1945.

De facto, a partir daí, é notório o enfeudamento à linha realista, «engagé» e combatente, fartamente influenciada pelo afro-americanismo, o pan-negrismo, o pan-africanismo, a negritude e o neo-realismo. Mário Pinto de Andrade, integrando o moviemento Mensageiro, ainda esboçou uma escrita poética em quimbundo, que logo abandonou, na altura talvez para não atiçar ou ratificar tribalices. O poema resultante, junto com dois outros de Bernardo de Sousa e João-Maria Vilanova, é a excepção que confirma a regra da língua portuguesa.

A edificação das literaturas africanas de língua portuguesa acompanha a construção de um novo poder político, primeiro clandestino e, depois, triunfante. Os homens que escrevem são os mesmos que pensam e que politicam. E fazem-no em português, domesticando a língua em função das suas virtualidades e finalidades, criando literaturas nacionais numa língua internacional.

O século que vai de 1850 a 1950 foi decisivo para a formação dessas literaturas. Os últimos trinta e cinco anos têm sido decisivos para o seu desenvolvimento. Com o advento da luta armada, três tendências se esboçaram, vindo a concretizar-se em obras específicas: Iiteratura de combate (de e para a guerrilha), de «ghetto» (publicada, sob a forma críptica, nas próprias colónias) e de diáspora. Os casos de Pepetela, Manuel dos Santos Lima, João-Maria Vilanova, Costa Andrade, Jorge Rebelo e Sérgio Vieira ilustram a primeira tendência. O Jofre Rocha de Tempo de Ciclo, David Mestre com Crónica do Ghetto ou Corsino Fortes documentam a literatura de «ghetto», que tanto pode ser alusão ao beco (com ou sem saída) da grande cidade colonial, como metáfora do isolamento insular. A terceira tendência tem no Coração em África, de Tenreiro, ou no poema «Havemos de voltar», de Agostinho Neto, a confirmação de que a diáspora é saudosa mesmo das terras que pouco pisou (como Tenreiro) e messiânica até à vitória final (como Agostinho Neto). Há também uma literatura rústica, de fundamentação etnológica, como no caso de A Konkhava de Fheti, de Henrique Abranches, ou de experiência pessoal, como em Uanhenga Xitu.

Os títulos da literatura caboverdiana elucidam-nos acerca do obsessivo terra-longismo, que Manuel Lopes caracterizou lapidarmente: «a saudade das terras que não conhece.» É o apelo da distância e do desconhecido, muito forte para quem vive e escreve nos chamados meios pequenos insulares: «Hora di bai» (poema de Eugénio Tavares) e Hora di Bai (livro de Manuel Ferreira): «Terra-Ionge», de Pedro Corsino Azevedo; Poemas de Longe, de António Nunes; Marinheiro em Terra, de Daniel Filipe; Linha do Horizonte, de Aguinaldo Fonseca; Cais Dever Partir, de Nuno Miranda; Caminhada, de Ovídio Martins; «Caminho longe», título de poemas de Ovídio Martins, Onésimo da Silveira, Gabriel Mariano e Terêncio Anahory e ainda de romance de Nuno Miranda; «Carmin lon» poema em crioulo interpretado por Bana; «Carta de longe» de Gabriel Mariano; Horizonte Aberto, livro de Sukre D’Sal; Viagem para Além da Fronteira, de Teobaldo Virgínio; Distância, também de Teobaldo Virgínio; Beija do Cais, ainda do mesmo autor. Finalmente, o percurso inverso, de retorno, em Cais-do-Sodré té Salamansa, de Orlanda Amarílis.

Apostrófica, exaltante, apologélica, virulenta, denunciadora, a literatura africana pode ser excessiva e grandiloquente como os poemas negritudinistas de Francisco José Tenreiro, reflexiva e serena como a Sagrada Esperança, de Agostinho Neto, barroca e neurótica como a ruptura discursiva e textual de Luandino Vieira, humorística e cínica como escárnio de João Pedro Grabato Dias. Contida, comedida, tranquila, expositiva, a literatura pode dar-se como fingimento extremo e simular o real por inteiro, como na máscara do Muana Puó, de Pepetela, burilar a palavra até à exaustão, para lhes extrair sugestões e alusões étnicas e oníricas, como em Angola Angolê Angolema, de Arlindo Barbeitos, conotações e ambivalências co-textuais, como em Monção, de Luís Carlos Patraquim. Enfim, a literatura africana pode vociferar «tuji, patrão», como no poema de João-Maria Vilanova, retomando as práticas bilinguistas de seus avós, ou render homenagem aos «grupos de patriotas portugueses/operando na Metrópole ou no estrangeiro – os do Socorro Vermelho/e os das Brigadas Revolucionárias, tal a nº 2,/que a base secreta da OTAN destruiu no Pinhal do Arneiro,/no lugar dito Fonte da Telha», como se pode ler no Primeiro Livro de Notcha, discurso V, do caboverdiano Timóteo Tio Tiofe.

As literaturas formam-se e desenvolvem-se como sistemas nacionais antes das independências políticas. Desde a publicação de Espontaneidades da Minha Alma, elas têm 136 anos de vida nem sempre activa. Desde a publicação de Nga Mutúri, passou pouco mais de um século. Somente meio século nos separa do primeiro número da revista Claridade. Do meio do século para cá, os poetas profetizaram a mudança: «veemente ressurreição!» (Osvaldo Osório); «veemente de ressurreição!» (Rolando Vera-Cruz); «nova gestação» (David Mestre); «sonhando co’a vida» (João-Maria Vilanova) «edificam novos tectos» (Cândido da Velha); «a alforria ansiada» (Jofre Rocha); Tempo do Ciclo (Jofre Rocha); «alvorecer de esperança» (Jofre Rocha); «exigindo novas vestes» (Álvaro Novais); Sagrada Esperança (Agostinho Neto); Vidas Novas (José Luandino Vieira); «nova Aurora» (Yolanda Morazzo); «llhas renascidas / nuvens libertas» (Arménio Vieira); «gritarem de esperança» (Tomás Medeiros); «fomos nós o sonho» (Costa Andrade).

Cumpriu-se a alforria ansiada e já as literaturas africanas se defrontam com os novos poderes: Mayombe, de Pepetela, publica-se porque o Velho dá o seu consentimento contra ventos e marés; Os Anões e os Mendigos, do Manuel dos Santos Lima, a maior diatribe ficcional desde sempre, sai com a chancela de uma editora do Porto e o autor nunca recebeu resposta a pedidos de leitura do original que enviou a outras editoras e instituições, não só de Portugal; a pretexto de uma representação (gravosa para o Presidente angolano) da peça No Velho Ninguém Toca, o autor, Costa Andrade, esteve preso durante mais de um ano em Luanda. Isto só pode significar que as literaturas africanas estão mais vivas do que nunca, e os escritores, críticos como sempre. Não sei quando começou nem quando terminará o século decisivo das literaturas africanas de língua portuguesa, mas estamos a vivê-lo: une a paixão amorosa e a (pa)ciência do texto se conjuguem em verbos mais que perfeitos!

Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, Lisboa, F. C. Gulbenkian,1987.

LUSOFONIA, Plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa, José Carreiro, 23-04-2008 < http://lusofonia.com.sapo.pt/LA.htm >


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário