(publicado
in MOREIRA, Harley Abrantes. (Org.). Africanidades: repensando identidades,
discursos e ensino de
História da África. Recife, Livro
Rápido/UPE, 2012, p. 11-37).
(publicado
in MOREIRA, Harley Abrantes. (Org.). Africanidades: repensando identidades,
discursos e ensino de
História da África. Recife, Livro
Rápido/UPE, 2012, p. 11-37).
HISTÓRIA E
DIVERSIDADES: OS DIREITOS ÀS DIFERENÇAS.
O mundo
diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A
compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo;
não há internacionalismo sem interculturalismo.
(Carta
às esquerdas, Boaventura de Sousa Santos, ago./2011)
Reconhecendo
as sociodiversidades, repensando o Brasil
Por quais razões
atualmente são obrigatórias rampas em prédios públicos, destinadas aos/as
portadores de necessidade especiais? Porque existem delegacias para as
mulheres? O porquê do Estatuto do Idoso? Do Estatuto da Criança e
Adolescente/ECA? O porquê da Lei 11.645/2008 que tornou obrigatório a inclusão
nos currículos escolares o ensino da História e Culturas Afro-brasileiras e
Indígenas? Quais as razões do reconhecimento legal de direitos específicos e
diferenciados na atualidade?
As
respostas a essas perguntas podem ser encontradas observando a organização
sociopolítica no Brasil contemporâneo. Nas últimas décadas em novos cenários
políticos, os movimentos sociais com diferentes atores conquistaram e ocuparam
seus espaços, reivindicando o reconhecimento e o respeito à sociodiversidade.
Identidades foram afirmadas, diferentes expressões socioculturais passaram a
ser reconhecidas e parcialmente respeitadas o que exigiu discussões,
formulações e fiscalizações de politicas públicas que respondam as demandas de
direitos sociais específicos.
Todavia
se faz necessário ter presente que o reconhecimento dessa nova configuração da
sociodiversidade no Brasil, não ocorre sem muitas tensões e conflitos a exemplo
dos acalorados debates sobre as cotas para negros nas universidades. Porém,
durante muito tempo no Brasil vigorou e sem restrições a chamada “Lei do Boi”.
Tratava-se da Lei 5.465 de 03/07/1968 que ficou assim conhecida por beneficiar
filhos de fazendeiros e criadores de gado que ingressavam sem vestibular nas
universidades públicas nos cursos de Agronomia e Veterinária. Na verdade a Lei
passou a valer para todos os cursos! E só foi revogada em dezembro de 1985! Ou
seja, durante muitos anos em nosso país existiram, e sem discussões, cotas para
ricos nas universidades públicas, pois a lei não beneficiava filhos de
trabalhadores pobres no campo.
Os
debates sobre o reconhecimento e respeito às sociodiversidades no Brasil
contemporâneo exigem, portanto, um repensar sobre a História do país,
discussões sobre a chamada “formação” da sociedade brasileira e da “identidade
nacional”. A respeito da existência de uma suposta “cultura brasileira”,
“nordestina”, “sertaneja” “pernambucana”, etc. A problematização das ideias e
concepções a respeito da “mestiçagem”, do lugar dos índios, negros e outras
minorias que formam a grande maioria da população em nosso país. É a partir
dessas discussões que questionamos os posicionamentos de Chico Buarque, Tom Zé,
Lenine e tantos outros, que defendem uma suposta cultura e identidade
brasileira.
Produzindo
uma identidade nacional: a mestiçagem
A concepção e
afirmação de uma identidade, de uma cultura nacional no Brasil remontam ao
Século XIX. Em meados daquele Século, quando ainda não tínhamos universidades
públicas no Brasil, o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), sediado
no Rio de Janeiro a Capital do Império, reunia os “homens de ciência” que
formava a elite pensante do país.
O
IHGB promoveu em 1843 o concurso “Como se deve escrever a História do Brasil”,
que foi vencedor o alemão Karl von Martius que com o seu compatriota Johann von
Spix, viajaram em uma expedição
científica por todo Brasil entre 1817 a 1820. Na sua proposta sobre a escrita
da História do Brasil, o naturalista Von Martius salientou a importância do
índio, o negro e branco português na formação histórica do país, todavia
ressaltando a maior relevância do colonizador pela sua responsabilidade
civilizatória. A ênfase nas relações das três raças configurava-se na defesa da
mestiçagem, ideia que foi posteriormente retomada por vários pensadores sobre o
Brasil.
No
pensamento literário, ainda que no Romantismo o índio foi eleito símbolo da
identidade nacional, expressa, por exemplo, nas conhecidas obras indianistas de
José de Alencar: O guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874). O sertanejo (1875) situa-se no conjunto
da literatura regionalista de Alencar, em que o autor escreveu um romance
temático para cada região do Brasil. Em O
sertanejo o personagem principal do enredo é Arnaldo,
apresentado como homem arredio, porém bom, simples e servidor primeiro vaqueiro
de uma fazenda no interior do Ceará. Figura excepcional e misteriosa, com o pleno
conhecimento e domínio da Natureza, tendo o hábito de dormir no alto de árvores
na mata, cercado de animais selvagens, sabendo distingui-los como ninguém.
Pelas características de
Arnaldo descritas por Alencar, pode-se atribuí-las o de um indígena que carregando
as peculiaridades de sua condição convive integrado ao mundo social da fazenda
onde trabalha. Arnaldo é apresentado como submisso ao seu senhor e patrão. A
sua submissão é o preço do seu reconhecimento. Para a Alencar, a passividade é
o preço da integração de Arnaldo no mundo dos colonizadores que negavam a sua
identidade indígena. Tantos estas imagens acerca dos indígenas, como as expressadas
nas pinturas dos naturalistas viajantes no século XIX, foram incorporadas ao
imaginário coletivo do país na época, e posteriormente reproduzidas nos manuais
didáticos (SILVA, 1995, p.26-27).
Com o Realismo/Naturalismo
nas últimas décadas do Século XIX a ideia da mestiçagem como explicação do
Brasil foi retomada. O livro O mulato
(1881) de Aluízio de Azevedo, por seu título expressa a concepção da
mestiçagem. Na ascensão da literatura
realista e naturalista influenciada pelos pressupostos raciais deterministas,
em oposição ao Romantismo e ao indianismo, houve a exaltação das imagens do
mestiço e, portanto, as imagens negras e indígenas foram deixadas de lado nos
escritos literários. Sílvio Romero em sua História
da Literatura Brasileira, que começou a ser publicada no início da última
década do Século XIX, escreveu: “O mestiço é o produto fisiológico, étnico e
histórico do Brasil; é a forma nova de nossa diferenciação nacional”. (ROMERO,
1980, p.120)
Para
Sílvio Romero a História do Brasil era uma história da mestiçagem. A mestiçagem
que seria superada pelo embranquecimento do português preponderante,
Não
quero dizer que constituiremos uma nação de mulatos; pois que a forma branca
vai prevalecendo e prevalecerá; quero dizer apenas que o europeu aliou-se aqui
a outras raças, e desta união saiu o genuíno brasileiro, aquele que não se confunde
mais com o português e sobre o qual repousa o nosso futuro. (ROMERO, 1943, v.I,
p.104).
A
mestiçagem, portanto, seria uma condição transitória,
O
mestiço é a condição desta vitória do branco, fortificando lhe o sangue para habita-lo aos rigores do clima. É uma
forma de transição necessária e útil que caminha para aproximar-se do tipo
superior. Pela seleção natural, todavia, depois de apoderado do auxilio de que
necessita, o tipo branco irá tomando a preponderância, até mostrar-se puro e
belo como no velho mundo. (ROMERO, 1943, v.I, p.231).
A
ideia da mestiçagem com explicação do Brasil que se consolidava no final do
Século XIX foi retomada no século seguinte. Ao participar representando o
Brasil do Congresso Universal das Raças realizado na cidade de Londres em 1911,
o cientista João Baptista de Lacerda, pesquisador do Museu Nacional no Rio de
Janeiro, exaltou a mestiçagem brasileira e defendeu a imigração para o embranquecimento
do país e a extinção da raça negra (SCHWARCZ, 2011), assim como fizera Sílvio
Romero.
Com o Modernismo, a partir da Semana de Arte
de 1922. Na obra mais conhecida desse movimento, o livro Macunaíma de Mário de Andrade publicado em 1928, o herói Macunaíma foi apresentado como a síntese
da mestiçagem, louvado como símbolo da identidade cultural brasileira nas
disputas com a invasão cultural estrangeira.
Na
Década de 1930 aconteceram várias significativas mudanças socioculturais no
Brasil, como a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, a industrialização
crescente no Sudeste com o consequente enriquecimento e aparecimento da classe
média urbana, o início das migrações do campo para as cidades principalmente o
“Sul maravilha” (São Paulo) provocando também mudanças na configuração sociocultural
do país. Alguns autores afirmam ter ocorrido nesse período um redescobrimento,
uma refundação do Brasil. Nesse contexto sociopolítico, a História do país foi
discutida e concepções revistas na afirmação de uma identidade sociocultural
para o país.
É
desse período a publicação dos conhecidos livros Casa grande & senzala (1933) de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936) de Sérgio
Buarque de Holanda e Formação do Brasil
contemporâneo (1942) de Caio Prado Jr. Esses autores ao discutirem “as
raízes” e “a formação” do Brasil em sintonia com aquele momento sociopolítico
buscavam além de explicar o passado, apontar um projeto de futuro para o país. Explicações
onde uma identidade nacional, a identidade brasileira, notadamente em Casa grande & senzala, era resultado
de uma conformidade mestiça.
O nacionalismo e o
desenvolvimentismo dos anos seguintes, inclusive expressos pela Ditadura
Militar. Com seus arroubos nacionalistas a Ditadura Militar que se instalou no
Brasil em 1964, interessou também sobremaneira a exaltação de um país com a
identidade única caminhando a passos largos para o desenvolvimento. Progresso e
unidade cultural do gigante país verde e amarelo eram temas indissociáveis nos
discursos dos defensores da nação brasileira.
O discurso da monocultura
nacional foi também defendido pelas esquerdas em seus projetos políticos de
oposição a Ditadura Militar. O antropólogo, escritor e educador Darcy Ribeiro,
que se dizia um político apaixonado pelo Brasil, foi um exemplo disso. Darcy foi
um dos últimos autores que buscou formular uma explicação, uma síntese, uma
teoria geral para a História do Brasil, por meio de seus vários livros,
entrevistas e romances, publicados durante e depois do fim da Ditadura.
A ideia de um Brasil moderno
formado por uma macroetnia, foi retomada e advogada pelo antropólogo no livro O povo brasileiro, segundo o autor a
síntese de sua “teoria de Brasil”. Nesse livro publicado em 1995, Darcy mais
uma vez enfatizou a sua defesa do mulato, como símbolo do Brasil e síntese da
fusão das diferentes expressões socioculturais no país.
Os méritos de Darcy Ribeiro
decorrem de ter sido ele o primeiro autor que discutiu o “problema indígena” de
uma forma ampla, e por sua explícita posição política em denunciar as opressões
sobre os índios na História do Brasil, o que tornou as ideias do antropólogo
bastante conhecidas. A obra Os índios e a
civilização, livro com várias edições, por sua quantidade de informações e
sistematização de dados “continua a ser uma peça insubstituível, referência
obrigatória para qualquer apreciação global da população indígena brasileira”
(OLIVEIRA, 2001, p.421). Além de ter sido traduzido para outras línguas,
adotado nos cursos de Ciências Sociais no Brasil, formando uma geração de
estudantes, foi também lido por profissionais de outras áreas e pelo público em
geral. As ideias de Darcy Ribeiro contidas nesse e outros livros do autor que
discutem o Brasil, em muito influenciaram a visão de outros estudiosos e o
senso comum sobre os índios, às expressões socioculturais do país.
Reafirmando as diferenças, questionando a mestiçagem
O historiador negro
jamaicano Stuart Hall que se tornou um renomado professor lecionando em
universidades na Inglaterra, a partir da perspectiva gramsciana discute o
conceito de hegemonia nas relações socioculturais. Ao tratar sobre a ideia da
nação moderna, esse autor discutiu as construções dos símbolos, discursos e
representações a respeito de supostas culturas e identidades nacionais
hegemônicas que buscam apagar as diferentes expressões socioculturais.
Para
Hall,
As
culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas
também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos
que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de
nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”,
sentidos com os quais podemos nos identificar,
constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são
contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com o seu passado e
imagens que dela são construídas. (HALL, 1999, p.50-51).
A afirmação da mestiçagem como identidade do
Brasil pode ser compreendida a partir da perspectiva apontada por Stuart Hall.
A
música Leão do Norte é uma composição
de Paulo César Pinheiro e Lenine, sendo cantada por esse último que é pernambucano.
A letra dessa música é um exemplo das construções das imagens representativas
de uma visão de identidade cultural geral:
Sou o coração do folclore
nordestino
Eu sou Mateus e Bastião do Boi Bumbá
Sou o boneco do Mestre Vitalino
Dançando uma ciranda em Itamaracá
Eu sou um verso de Carlos Pena Filho
Num frevo de Capiba
Ao som da orquestra armorial
Sou Capibaribe
Num livro de João Cabral
Sou mamulengo de São Bento do Una
Vindo no baque solto de Maracatu
Eu sou um auto de Ariano Suassuna
No meio da Feira de Caruaru
Sou Frei Caneca do Pastoril do Faceta
Levando a flor da lira
Pra Nova Jerusalém
Sou Luis Gonzaga
E vou dando um cheiro em meu bem
Eu sou Mateus e Bastião do Boi Bumbá
Sou o boneco do Mestre Vitalino
Dançando uma ciranda em Itamaracá
Eu sou um verso de Carlos Pena Filho
Num frevo de Capiba
Ao som da orquestra armorial
Sou Capibaribe
Num livro de João Cabral
Sou mamulengo de São Bento do Una
Vindo no baque solto de Maracatu
Eu sou um auto de Ariano Suassuna
No meio da Feira de Caruaru
Sou Frei Caneca do Pastoril do Faceta
Levando a flor da lira
Pra Nova Jerusalém
Sou Luis Gonzaga
E vou dando um cheiro em meu bem
Eu sou mameluco, sou de Casa
Forte
Sou de Pernambuco, sou o Leão do Norte
Sou de Pernambuco, sou o Leão do Norte
Sou Macambira de Joaquim
Cardoso
Banda de Pife no meio do Canavial
Na noite dos tambores silenciosos
Sou a calunga revelando o Carnaval
Sou a folia que desce lá de Olinda
O homem da meia-noite puxando esse cordão
Sou jangadeiro na festa de Jaboatão
Eu sou mameluco...
Banda de Pife no meio do Canavial
Na noite dos tambores silenciosos
Sou a calunga revelando o Carnaval
Sou a folia que desce lá de Olinda
O homem da meia-noite puxando esse cordão
Sou jangadeiro na festa de Jaboatão
Eu sou mameluco...
Cabe lembrar
que o próprio título da música remete aos discursos usados pela elite
pernambucana do Século XIX, para afirmar a soberania da Província nas disputas
políticas com as oligarquias do Sudeste do país. Portanto, o título e a letra
da música expressam ufanismo, patriotismo e afirmações identitárias.
Observemos que
na letra da música seus autores além de se identificarem, dizem de onde falam:
“Eu sou mameluco, sou de Casa Forte Sou de Pernambuco, sou o Leão do Norte”. Ou
seja, afora serem mestiços moram em Casa Forte, tradicional bairro recifense
habitado pela “açucarocracia” pernambucana, as famílias e seus descendentes de
senhores de engenho do passado e ricos usineiros do presente. O bairro é
conhecido por ser uma espécie de ilha de conforto, suntuosidade e tranquilidade
no Recife, no que diz respeito às condições de moradia, centro comercial e
serviços públicos. Porque os músicos não afirmaram serem mestiços moradores em
uma das várias comunidades pobres da periferia da capital pernambucana?!
Mesmo tendo presente
que os artistas têm a plena liberdade de expressões e que em se tratando da
música vista com uma obra de arte, onde as metáforas é uma linguagem intrínseca
nos universos das Artes, a letra da música em questão nos possibilita reflexões
sobre os sentidos do seu conteúdo a partir da temática que estamos tratando, a
construção de uma identidade cultural.
Em uma breve
análise da letra dessa música, percebemos que os autores evocam as muitas e
diversas expressões socioculturais existentes em todo o estado de Pernambuco.
Citam personalidades renomadas do âmbito da Cultura, sejam literatos com Ariano
Suassuna, músicos como Luiz Gonzaga ou animadores de expressões socioculturais
como o Velho Faceta, que ficou bastante conhecido por liderar as apresentações do
Pastoril em bairros do Recife. Da mesma forma indistinta, são citadas
expressões socioculturais de diferentes localidades, espaços e temporalidades
que ocorrem em Pernambuco. Todas colocadas lado a lado, em um mesmo plano
supostamente valorativo.
Transparece
ainda na leitura da letra da referida música a evocação de uma tradição comum,
de uma identidade pernambucana, fundada em uma memória coletiva, mas, atemporal
onde pessoas, lugares, expressões, objetos, lembranças e eventos compõem a
cultura da pernambucanidade, a nação pernambucana, representada no que vem a
ser o Leão do Norte.
O historiador
Stuart Hall afirmou que um dos elementos principais que expressam a cultura de
uma nação seria as narrativas ao fornecer imagens, panoramas, cenários, eventos
históricos, símbolos e rituais que representam a partilha de experiências e dá
sentido a nação como uma comunidade imaginada. Um conjunto de símbolos que
torna o lugar agradável aos seus habitantes, o solo nativo que confere uma
identidade a ser reafirmada publicamente. Ocorrendo ainda uma ênfase nas
origens, na continuidade, na tradição e na intemporalidade. (HALL, 1999, p.52-53). Tais reflexões são
pertinentes para analisar a letra da música em discussão.
Todavia, se
faz necessário descontruir uma suposta identidade nacional, ou outras
afirmações tais como a regional, expressa em uma cultura hegemônica que nega,
ignora e despreza as diferenças socioculturais. Portanto, uma suposta
identidade e cultura nacional se constituem pelo discurso impositivo de um único
povo. Uma unidade anunciada muita vezes em torno de ideia de raça, um tipo
biológico. Pensemos no caso do Brasil as ideias do mulato, o mestiço, o
nordestino, o sertanejo, o pernambucano dentre outras.
As ideias de
uma identidade e cultura nacional escondem as diferenças sejam de classes
sociais, gênero e étnicas ao buscar uniformizá-las. Negando também os processos
históricos marcados pelas violências de grupos politicamente hegemônicos. Nega
ainda as violências sobre grupos subalternos, a exemplo de povos indígenas e
oriundos da África que foram submetidos a viverem em ambientes coloniais. Observemos
ainda que as identidades nacionais além de serem fortemente marcadas pelo
etnocentrismo são também pelo sexismo: se diz o mulato, o mestiço, o pernambucano,
acentuando-se o gênero masculino.
Faz-se
necessário, portanto, problematizar as ideias e afirmações de identidades
generalizantes como a mestiçagem no Brasil, um discurso para, negar, desprezar
e suprimir a sociodiversidade no país. Afirmar os direitos as diferenças é,
pois, questionar o discurso da mestiçagem como identidade nacional usado para
esconder a história de índios/as e negros/as na História do Brasil.
Questionando
Chico Buarque, Tom Zé, Lenine...
Reconhecendo
os direitos às diferenças
No trecho citado no início
desse texto da Carta as esquerdas, o
renomado sociólogo português, conhecido por seu apoio explícito às mobilizações
políticas dos diferentes grupos sociais em países abaixo da linha do Equador
(América do Sul, África e Ásia), Boaventura de Souza Santos enfatizou que
reconhecer as sociodiversidades, exige reconhecer os direitos as diferenças que
constituem o mundo atual, significando a negação da visão de uma suposta
cultura ocidental como única, a superação do eurocentrismo e do etnocentrismo.
Ao tratar do contexto em que
emergiu a Lei 10.639/2003 que determinou a inclusão nos currículos escolares
das escolas no Brasil do ensino da História da África e da cultura
afro-brasileira, a reconhecida pesquisadora Nilma Lino Gomes (UFMG) afirmou:
Muitas
vezes, o caráter universal e abstrato do discurso em prol de uma democracia para todos acaba
uniformizando e homogeneizando trajetórias, culturas, valores e povos. Por
isso, os movimentos sociais cada vez mais buscam ampliar a noção de democracia,
a fim de que ela insira a diversidade e apresente alternativas para lidar com
as políticas de identidade. Essa outra perspectiva de democracia deverá
radicalizar ainda mais a luta pelos direitos sociais, incluindo nessa o direito
à diferença. Assim, a democracia estará mais próxima das vivências concretas
dos diferentes sujeitos sociais e de sua luta pela construção da igualdade
social que incorpore e politize a diversidade. (GOMES, 2008, p.70). (Grifos da
autora).
A
pesquisadora enfatizou as mobilizações sociais que resultaram na inserção da
diversidade nos currículos escolares, mas alertou também para a necessidade de
outras iniciativas políticas e pedagógicas reivindicadas pelos movimentos
sociais, a exemplo da organização das escolas e formação de professores/as
indígenas, a educação inclusiva, as escolas e formação de professores/as do
campo, a educação ambiental. Enfim, ao lado de outras temáticas igualmente
necessárias, devem ser tratadas as sociodiversidades indígenas.
O
índio Gersem Baniwa (o povo Baniwa habita na fronteira entre o Brasil, Colômbia
e Venezuela em aldeias nas margens do Rio Içana e seus afluentes, além de
comunidades no Alto Rio Negro e nos centros urbanos de São Gabriel da
Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos/AM), Mestre e recém-Doutor em Antropologia
pela UnB publicou o livro O índio
brasileiro: o que você precisa saber
sobre os povos indígenas no Brasil de hoje, onde escreveu sobre as
sociodiversidades dos povos indígenas:
A
sua diversidade, a história de cada um e o contexto em que vivem criam
dificuldades para enquadrá-los em uma definição única. Eles mesmos, em geral,
não aceitam as tentativas exteriores de retratá-los e defendem como um
principio fundamental o direito de se autodefinirem. (BANIWA, 2006, p.47).
Após
discorrer sobre as complexidades das organizações sociopolíticas dos diferentes
povos indígenas nas Américas, questionando as visões etnocêntricas dos
colonizadores europeus o pesquisador indígena afirmou:
Desta
constatação histórica importa destacar que, quando falamos de diversidade
cultural indígena, estamos falando de diversidade de civilizações autônomas e
de culturas; de sistemas políticos, jurídicos, econômicos, enfim, de
organizações sociais, econômicas e politicas construídas ao longo de milhares
de anos, do mesmo modo que outras civilizações dos demais continentes europeu,
asiático, africano e a Oceania. Não se trata, portanto, de civilizações ou
culturas superiores ou inferiores, mas de civilizações e culturas equivalentes,
mas diferentes. (BANIWA, 2006, p.49).
E
tratando da chamada identidade cultural brasileira, concluindo que,
Desse
modo, podemos concluir que não existe uma identidade cultural única brasileira,
mas diversas identidades que, embora não formem um conjunto monolítico e
exclusivo, coexistem e convivem de forma harmoniosa, facultando e enriquecendo
as várias maneiras possíveis de indianidade, brasilidade e humanidade. Ora,
identidade implica a alteridade, assim como a alteridade pressupõe diversidade
de identidades, pois é na interação com o outro não-idêntico que a identidade se constitui. O reconhecimento
das diferenças individuais e coletivas é condição de cidadania quando
identidades diversas são reconhecidas como direitos civis e políticos,
consequentemente absorvidos pelos sistemas políticos e jurídicos no âmbito do
Estado Nacional. (BANIWA, 2006, p.49).
Na
versão em vídeo-documentário do citado livro O povo brasileiro, publicado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, são
apresentadas belíssimas imagens para exemplificar a colcha de retalhos de
culturas que unificadas formam o Brasil, em uma só identidade nacional
resultante da mistura de todas elas, diferentemente do que afirmou Gersem
Baniwa. Cremos que assim como ocorreu com as imagens, os narradores das falas
nesse documentário não foram escolhidos ao acaso. Conhecendo Darcy, as
indicações é que tudo foi pensado e escolhido de forma detalhada para facilitar
a interação do público com as ideias, o conteúdo expressado, o pensamento do
autor.
Nesse
documentário, dentre outros narradores aparecem cantores e compositores a
exemplo de Chico Buarque e Tom Zé. Acreditamos que se esses artistas
comprometem suas imagens e discursos, é porque
também comungam com as ideias de Darcy Ribeiro. Isso porque ainda esses
conhecidos artistas por mais de uma vez expressaram em suas obras as concepções
de uma identidade, uma cultura nacional. Assim como aparece na citada música Leão do Norte, cantada por Lenine. São
autores de uma geração cujas vozes e concepções acreditam em uma brasilidade
mestiça. E assim estão na contramão de compreensão das sociodiversidades
existentes historicamente no Brasil.
Afirmar
as sociodiversidades indígenas no Brasil é, portanto, reconhecer os direitos as
diferenças socioculturais, é questionar a mestiçagem como ideia de uma cultura
e identidade nacional. É buscar compreender as possibilidades de coexistência
socioculturais, fundamentada nos princípios da interculturalidade,
A
interculturalidade é uma prática de vida que pressupõe a possibilidade de
convivência e coexistência entre culturas e identidades. Sua base é o diálogo
entre diferentes, que se faz presente por meio de diversas linguagens e
expressões culturais, visando à superação de intolerância e da violência entre
indivíduos e grupos sociais culturalmente distintos. (BANIWA, 2006, p.51).
Somente a partir da nova
conjuntura política com o fim da Ditadura, as ideias polarizadas, bem como as
totalizantes, que perpassavam as discussões sobre a identidade do país, foram
explicitamente colocadas em discussão. Timidamente foram dados os primeiros
passos que rediscutiam a mestiçagem como a expressão de uma suposta identidade
brasileira. Os debates públicos e acadêmicos em torno das questões de gênero,
da temática negra, dentre outras, ganharam corpo nos anos seguintes colocando
em xeque a suposta identidade nacional advogada anteriormente.
No novo cenário político com
outros atores, os povos indígenas conquistaram e ocuparam seus espaços, reivindicando
o reconhecimento e o respeito de suas expressões étnicas e socioculturais, bem
como das condições para vivenciá-las. A mestiçagem enquanto apagamento, sombra
que escondia as diferenças perdeu a primazia do status explicativo sobre o
país. O reconhecimento das sociodiversidades além de provocar um repensar do
país, vem exigindo políticas públicas que dê conta dessa realidade. Daí a
necessidade de se debruçar sobre a História do Brasil para melhor compreender
no presente as diversidades socioculturais em um país com dimensões continental,
com suas peculiaridades regionais e locais.
A Lei 11.645/2008: limites e possibilidades para o
(re)conhecimento das sociodiversidades indígenas
Conta-se que quando Claude Lévi-Strauss
se preparava para vir ao Brasil onde colaboraria na fundação da USP no início
da década de 1930, ele teria procurado o então Embaixador do Brasil na França.
Ao buscar informações sobre os índios, ouviu da autoridade diplomática
brasileira, que não mais existiam, teriam todos sido dizimados com a
colonização. Se Lévi-Strauss tivesse acreditado no Embaixador, a Antropologia e
as Ciências Humanas e Sociais não herdariam a sua vastíssima obra sobre os
povos nativos, a significativa contribuição do reconhecidíssimo como um dos
maiores ou senão o maior antropólogo contemporâneo.
Onde estão os índios?! As
dúvidas ou as respostas negativas a essa pergunta ainda é ouvida da imensa
maioria da população, e até mesmo de pessoas mais esclarecidas. O pouco
conhecimento generalizado sobre os povos indígenas está associado basicamente à
imagem do índio que é tradicionalmente veiculada pela mídia: um índio genérico,
com um biótipo formado por características correspondentes aos indivíduos de
povos habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos, pinturas
corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de
culturas exóticas, porém consideradas “primitivas” ou “atrasadas”, etc.
Ou
também são chamados de “tribos” a partir da perspectiva etnocêntrica e
evolucionista de uma suposta hierarquia de raças, onde os índios ocupariam
obviamente o último degrau. Ou ainda
imortalizados pela literatura romântica produzida no Século XIX, como nos
livros de José de Alencar, onde são apresentados índios belos e ingênuos, ou
valentes guerreiros e ameaçadores canibais, ou seja, bárbaros, bons selvagens
ou heróis.
Mas, essas visões sobre os
índios vêm mudando nos últimos anos. E essa mudança ocorre em razão da
visibilidade política conquistada pelos próprios índios. As mobilizações dos
povos indígenas em torno das discussões e debates para a elaboração da
Constituição Federal em vigor aprovada em 1988 e as conquistas dos direitos
indígenas fixados na Lei maior do país, possibilitaram a garantia dos direitos
(demarcação das terras, saúde e educação diferenciadas e específicas, etc.), e
que a sociedade em geral (re)descobrisse os índios.
Além disso, a nossa
sociedade, ainda como resultado da organização e mobilizações dos movimentos
sociais, se descobre plural, repensa seu desenho: o Brasil não tem uma
identidade nacional única! Somos um país de muitos rostos, expressões
culturais, étnicas, religiosas... As minorias (maiorias), sejam mulheres,
ciganos, pessoas negras, idosas, crianças, portadoras de necessidades especiais
reivindicam o reconhecimento e o respeito de seus direitos! Um exemplo muito
simples disso: é obrigatório em todos os prédios públicos rampas de acesso para
pessoas deficientes. E antes não existia essa necessidade?! Sim, existia. Mas
que hoje a sociedade reconhece esse direito.
Os índios então conquistam o
(re)conhecimento do respeito a seus direitos específicos e diferenciados, a
partir dessa ótica: um país, a sociedade que se repensa, se vê em sua
multiplicidade, pluralidade e diversidades culturais, expressada também pelos
povos indígenas em diferentes contextos sociohistoricas. Embora esse
reconhecimento exija também mudanças nas posturas e medidas das autoridades
governamentais em ouvir dos diferentes sujeitos sociais a necessidade de novas
políticas públicas que reconheça, respeite e garanta essas diferenças.
Como por exemplo, na
Educação, a formulação de políticas educacionais inclusivas das histórias e
expressões culturais no currículo escolar, nas práticas pedagógicas. Essa exigência
deve ser atendida, a partir da contribuição de especialistas, da participação e
envolvimentos plenos dos próprios sujeitos sociais na formação de futuros/as
docentes, na formação continuada daqueles/as que atuam e fundamentalmente na
produção de subsídios didáticos em todos os níveis. Seja nas universidades, nas
secretarias estaduais e municipais de Educação. Só a partir disso é que
deixaremos de tratar as diferenças socioculturais como estranhas, exóticas e
folclóricas. (Re)conhecendo em definitivo os índios como povos indígenas, em
seus direitos de expressões próprias que podem contribuir decisivamente para a
nossa sociedade, para todos nós.
A
partir de suas mobilizações, os povos indígenas conquistaram nas últimas
décadas considerável visibilidade enquanto atores sociais em nosso país
exigindo novos olhares, pesquisas e reflexões. Mas, por outro lado, é facilmente
contestável o desconhecimento, os preconceitos, os equívocos e as
desinformações generalizadas sobre os índios, inclusive entre os
educadores. Essas duas situações aqui
relatadas ilustram muito bem como os preconceitos sobre os índios são expressos
cotidianamente pelas pessoas. E o mais grave: independe do lugar social e
político que ocupem! O que dizer então do universo das pessoas pouco letradas,
do senso comum da população em nosso país?
Sem
dúvidas é no âmbito da escola/educação formal, em seus vários níveis
hierárquicos, que se pode constatar a ignorância que resulta as distorções a
respeito dos índios. A Lei nº. 11.645 de março/2008 que tornou obrigatório o
ensino sobre a história e
culturas indígenas nos currículos escolares no Brasil, ainda que careça de
maiores definições, objetivou a superação dessa lacuna na formação escolar.
Contribuindo para o reconhecimento e a inclusão das diferenças étnicas dos
povos indígenas, para se repensar em um novo desenho do Brasil em sua diversidade
e da pluralidade culturais.
Para a implementação
da Lei nº.
11.645/08 é preciso ter claro os diferentes níveis de responsabilidades, bem
como os desafios para sua real efetivação. No âmbito federal o MEC tem uma
tarefa extremamente importante: apoiar a produção de subsídios didáticos
destinados aos/as educadores/as nas escolas públicas a níveis estaduais e municipais,
de acordo com as realidades distintas no país.
Ao Ministério Público
Federal e nos Estados, cabe fiscalizar a execução da implementação da Lei nas
redes públicas e privadas de ensino, inclusive nas faculdades, universidades e
instituições congêneres que atuam na formação de professores/as.
No
nível das universidades públicas e privadas se faz necessário à inclusão de
cadeiras sobre a temática indígenas no âmbito das Ciências Humanas e Sociais,
bem como nos demais campos do conhecimento acadêmico incluir a discussão dos
saberes indígenas. A exemplo da área da Matemática, onde podem ser discutidos
os saberes matemáticos de povos culturalmente distintos do pensamento
hegemônico ocidental.
Caberá
às secretarias estaduais e municipais de Educação disponibilizar, favorecer o
acesso aos subsídios produzidos pelo MEC, e ainda também produzirem materiais
didáticos enfocando as realidades locais dos povos indígenas. É de fundamental
importância ainda capacitar os quadros técnicos dessas instâncias
governamentais, no âmbito do combate aos racismos institucionais.
Ainda
nas esferas governamentais locais se faz necessário, com a participação dos indígenas,
de especialistas reconhecidos/as, a promoção de seminários, encontros de
estudos, etc. sobre a temática indígena para professores/as e demais
trabalhadores/as na educação.
Pensando em Algumas
propostas e sugestões, o MEC em suas instâncias competentes deve acompanhar e
fiscalizar a implementação da Lei nº. 11.645/08 no âmbito dos currículos dos
cursos de licenciatura e formação de professores/as. O que significará a
inclusão de cadeiras obrigatórias que tratem especificamente da temática
indígena, principalmente em cursos das áreas das Ciências Humanas e Sociais.
Cabe às universidades estimular, apoiar e ainda viabilizar os meios necessários
para a participação efetiva do professorado, alunos/as e técnicos em eventos
acadêmicos que tratem da temática indígena.
Por meio de convênios com o
MEC e as secretarias estaduais e municipais, as universidades produzam
materiais didáticos que tratem da temática indígena a serem disponibilizados
para o ensino público. As secretarias estaduais e municipais incluam ainda a
temática indígena nos estudos, capacitações periódicas e formação continuada, a
ser abordada na perspectiva da sociodiversidade historicamente existente no
Brasil e na sociedade em que vivemos: por meio de cursos, seminários, encontros
de estudos específicos e interdisciplinares destinados ao professorado e demais
trabalhadores/as em educação, com a participação de indígenas e assessoria de
especialistas reconhecidos. Assim como adquiram livros que tratem da temática
indígena, destinados ao acervo das bibliotecas escolares.
Essas secretarias favoreçam as
pesquisas, bem como estimulem aos/as interessados/as em cursos de
aprofundamento em nível de pós-graduação. No nível também das citadas secretarias,
promovam estudos específicos para que o professorado possam conhecer os povos
indígenas no Brasil, possibilitando uma melhor abordagem ao tratar da temática
indígena em sala de aula, particularmente nos municípios onde atualmente
habitam povos indígenas.
Intensificar
a produção, com assessoria de pesquisadores/as especialistas, de vídeos,
cartilhas, subsídios didáticos, etc. sobre os povos indígenas para serem
utilizados em sala de aula. Proporcionar o acesso a publicações: livros,
periódicos, etc., como fonte de informação e pesquisa sobre os povos indígenas.
Promoção
de momentos de intercâmbios entre os povos indígenas e os estudantes durante o
calendário letivo, por meio de visitas previamente
preparadas do alunado às aldeias, bem como de indígenas às escolas. IMPORTANTE:
ação a ser desenvolvida principalmente nos municípios onde atualmente moram os
povos indígenas, como forma de buscar a superação dos preconceitos e as
discriminações. Vale ressaltar que as visitas não devem se constituírem como
meras apresentações folclóricas, mas como espeço de diálogos e aprendizagens.
Discutir
e propor o apoio aos povos indígenas, por meio do estímulo ao alunado com a
realização de abaixo-assinados, cartas às autoridades com denúncias e
exigências de providências para as violências contra os povos indígenas, assassinatos
de suas lideranças, etc. Estimulando assim através de manifestações coletivas
na sala de aula, o apoio às campanhas de demarcação das terras e garantia dos
direitos dos povos indígenas.
Enfim,
promover seja nos espaços das universidades, das escolas ou nos demais espaços
institucionais, ações pautadas na perspectiva da compreensão da sociodiversidade
e do reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, bem como do
reconhecimento de que o Brasil é um país pluricultural e pluriétnico.
Como lecionar sobre os povos
indígenas, quando é facilmente constatável que a imensa maioria do professorado
desconhece que Pernambuco possui a 3ª maior população indígena no Brasil, pois
53.284 indivíduos se autodeclaram índios segundo os dados do Censo IBGE/2010 e
atualmente existem 11 povos indígenas no estado? Como tratar dos povos
indígenas em Pernambuco se no censo comum e no ambiente escolar permanecem
imagens de índios da Região Norte e do Xingu, considerados índios supostamente
portadores de uma cultura pura em oposição aos indígenas em Pernambuco, no
Nordeste, que tem suas identidades sistematicamente negadas, são chamados de
caboclos termo bastante usado principalmente a partir de meados do Século XIX
pelos invasores das terras indígenas e autoridades que defendiam o fim dos
aldeamentos e invisibilizando os índios da História?
A Lei 11.645/2008 ao
determinar a inclusão da história e culturas dos povos indígenas no currículo
escolar, questiona as ideias e visões sobre a sociedade e a História do Brasil
como uma única expressão sociocultural. A efetivação da referida Lei
possibilitará discutir e problematizar o lugar dos índios, ou melhor dizendo
dos povos indígenas, em nossa sociedade, na História do Brasil. Além de
reconhecer os legítimos direitos as diferentes sociodiversidades expressadas
pelos povos indígenas.
Em nossa sociedade a escola
tem um papel privilegiado de formação humana que deve responder as demandas
sociais. Nesse sentido, é que a implementação da Lei 11.645/2008 possibilitará
o reconhecimento das diferenças socioculturais
existentes no Brasil, o reconhecimento dos direitos das sociodiversidade dos povos
indígenas. Ainda que se tenha presente as dificuldades e desafios dos processos
de ensino-aprendizagem, do fazer pedagógico, a escola é um lócus onde com a efetivação da Lei seja
possível no ambiente escolar viabilizar “espaços que favoreçam o reconhecimento
da diversidade e uma convivência respeitosa baseada no diálogo entre os
diferentes atores sociopolíticos, oportunizando igualmente o acesso e a
socialização dos múltiplos saberes”. (SILVA, 2010, p.46). E assim, contribuindo
na formação de cidadãos/as críticos/as.
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Gersem dos Santos Luciano. O índio
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SODRÉ, Nélson Werneck. História da Literatura Brasileira. 8ª
ed. atua. São Paulo, Editora Bertrand Brasil, 1988.
*Versão da exposição apresentada na
mesa-redonda “Etnicidade e ensino de História da África”, por ocasião do II Colóquio Africanidades em sala de aula, realizado
entre os dias 09 a 11/11/2011, na UPE (Campus Petrolina).
**Doutor em História Social (UNICAMP).
Leciona no Programa de Pós-Graduação em História/UFPE e no Programa de
Pós-Graduação em História/UFCG (Campina Grande/PB). Professor no Centro de
Educação/Col. de Aplicação-UFPE/Campus Recife e no Curso de Licenciatura
Intercultural Indígena na UFPE/Campus Caruaru, destinado à formação de
professores/as indígenas em Pernambuco.
E-mail: edson.edsilva@hotmail.com
O mundo
diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A
compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo;
não há internacionalismo sem interculturalismo.
(Carta
às esquerdas, Boaventura de Sousa Santos, ago./2011)
Reconhecendo
as sociodiversidades, repensando o Brasil
Por quais razões
atualmente são obrigatórias rampas em prédios públicos, destinadas aos/as
portadores de necessidade especiais? Porque existem delegacias para as
mulheres? O porquê do Estatuto do Idoso? Do Estatuto da Criança e
Adolescente/ECA? O porquê da Lei 11.645/2008 que tornou obrigatório a inclusão
nos currículos escolares o ensino da História e Culturas Afro-brasileiras e
Indígenas? Quais as razões do reconhecimento legal de direitos específicos e
diferenciados na atualidade?
As
respostas a essas perguntas podem ser encontradas observando a organização
sociopolítica no Brasil contemporâneo. Nas últimas décadas em novos cenários
políticos, os movimentos sociais com diferentes atores conquistaram e ocuparam
seus espaços, reivindicando o reconhecimento e o respeito à sociodiversidade.
Identidades foram afirmadas, diferentes expressões socioculturais passaram a
ser reconhecidas e parcialmente respeitadas o que exigiu discussões,
formulações e fiscalizações de politicas públicas que respondam as demandas de
direitos sociais específicos.
Todavia
se faz necessário ter presente que o reconhecimento dessa nova configuração da
sociodiversidade no Brasil, não ocorre sem muitas tensões e conflitos a exemplo
dos acalorados debates sobre as cotas para negros nas universidades. Porém,
durante muito tempo no Brasil vigorou e sem restrições a chamada “Lei do Boi”.
Tratava-se da Lei 5.465 de 03/07/1968 que ficou assim conhecida por beneficiar
filhos de fazendeiros e criadores de gado que ingressavam sem vestibular nas
universidades públicas nos cursos de Agronomia e Veterinária. Na verdade a Lei
passou a valer para todos os cursos! E só foi revogada em dezembro de 1985! Ou
seja, durante muitos anos em nosso país existiram, e sem discussões, cotas para
ricos nas universidades públicas, pois a lei não beneficiava filhos de
trabalhadores pobres no campo.
Os
debates sobre o reconhecimento e respeito às sociodiversidades no Brasil
contemporâneo exigem, portanto, um repensar sobre a História do país,
discussões sobre a chamada “formação” da sociedade brasileira e da “identidade
nacional”. A respeito da existência de uma suposta “cultura brasileira”,
“nordestina”, “sertaneja” “pernambucana”, etc. A problematização das ideias e
concepções a respeito da “mestiçagem”, do lugar dos índios, negros e outras
minorias que formam a grande maioria da população em nosso país. É a partir
dessas discussões que questionamos os posicionamentos de Chico Buarque, Tom Zé,
Lenine e tantos outros, que defendem uma suposta cultura e identidade
brasileira.
Produzindo
uma identidade nacional: a mestiçagem
A concepção e
afirmação de uma identidade, de uma cultura nacional no Brasil remontam ao
Século XIX. Em meados daquele Século, quando ainda não tínhamos universidades
públicas no Brasil, o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), sediado
no Rio de Janeiro a Capital do Império, reunia os “homens de ciência” que
formava a elite pensante do país.
O
IHGB promoveu em 1843 o concurso “Como se deve escrever a História do Brasil”,
que foi vencedor o alemão Karl von Martius que com o seu compatriota Johann von
Spix, viajaram em uma expedição
científica por todo Brasil entre 1817 a 1820. Na sua proposta sobre a escrita
da História do Brasil, o naturalista Von Martius salientou a importância do
índio, o negro e branco português na formação histórica do país, todavia
ressaltando a maior relevância do colonizador pela sua responsabilidade
civilizatória. A ênfase nas relações das três raças configurava-se na defesa da
mestiçagem, ideia que foi posteriormente retomada por vários pensadores sobre o
Brasil.
No
pensamento literário, ainda que no Romantismo o índio foi eleito símbolo da
identidade nacional, expressa, por exemplo, nas conhecidas obras indianistas de
José de Alencar: O guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874). O sertanejo (1875) situa-se no conjunto
da literatura regionalista de Alencar, em que o autor escreveu um romance
temático para cada região do Brasil. Em O
sertanejo o personagem principal do enredo é Arnaldo,
apresentado como homem arredio, porém bom, simples e servidor primeiro vaqueiro
de uma fazenda no interior do Ceará. Figura excepcional e misteriosa, com o pleno
conhecimento e domínio da Natureza, tendo o hábito de dormir no alto de árvores
na mata, cercado de animais selvagens, sabendo distingui-los como ninguém.
Pelas características de
Arnaldo descritas por Alencar, pode-se atribuí-las o de um indígena que carregando
as peculiaridades de sua condição convive integrado ao mundo social da fazenda
onde trabalha. Arnaldo é apresentado como submisso ao seu senhor e patrão. A
sua submissão é o preço do seu reconhecimento. Para a Alencar, a passividade é
o preço da integração de Arnaldo no mundo dos colonizadores que negavam a sua
identidade indígena. Tantos estas imagens acerca dos indígenas, como as expressadas
nas pinturas dos naturalistas viajantes no século XIX, foram incorporadas ao
imaginário coletivo do país na época, e posteriormente reproduzidas nos manuais
didáticos (SILVA, 1995, p.26-27).
Com o Realismo/Naturalismo
nas últimas décadas do Século XIX a ideia da mestiçagem como explicação do
Brasil foi retomada. O livro O mulato
(1881) de Aluízio de Azevedo, por seu título expressa a concepção da
mestiçagem. Na ascensão da literatura
realista e naturalista influenciada pelos pressupostos raciais deterministas,
em oposição ao Romantismo e ao indianismo, houve a exaltação das imagens do
mestiço e, portanto, as imagens negras e indígenas foram deixadas de lado nos
escritos literários. Sílvio Romero em sua História
da Literatura Brasileira, que começou a ser publicada no início da última
década do Século XIX, escreveu: “O mestiço é o produto fisiológico, étnico e
histórico do Brasil; é a forma nova de nossa diferenciação nacional”. (ROMERO,
1980, p.120)
Para
Sílvio Romero a História do Brasil era uma história da mestiçagem. A mestiçagem
que seria superada pelo embranquecimento do português preponderante,
Não
quero dizer que constituiremos uma nação de mulatos; pois que a forma branca
vai prevalecendo e prevalecerá; quero dizer apenas que o europeu aliou-se aqui
a outras raças, e desta união saiu o genuíno brasileiro, aquele que não se confunde
mais com o português e sobre o qual repousa o nosso futuro. (ROMERO, 1943, v.I,
p.104).
A
mestiçagem, portanto, seria uma condição transitória,
O
mestiço é a condição desta vitória do branco, fortificando lhe o sangue para habita-lo aos rigores do clima. É uma
forma de transição necessária e útil que caminha para aproximar-se do tipo
superior. Pela seleção natural, todavia, depois de apoderado do auxilio de que
necessita, o tipo branco irá tomando a preponderância, até mostrar-se puro e
belo como no velho mundo. (ROMERO, 1943, v.I, p.231).
A
ideia da mestiçagem com explicação do Brasil que se consolidava no final do
Século XIX foi retomada no século seguinte. Ao participar representando o
Brasil do Congresso Universal das Raças realizado na cidade de Londres em 1911,
o cientista João Baptista de Lacerda, pesquisador do Museu Nacional no Rio de
Janeiro, exaltou a mestiçagem brasileira e defendeu a imigração para o embranquecimento
do país e a extinção da raça negra (SCHWARCZ, 2011), assim como fizera Sílvio
Romero.
Com o Modernismo, a partir da Semana de Arte
de 1922. Na obra mais conhecida desse movimento, o livro Macunaíma de Mário de Andrade publicado em 1928, o herói Macunaíma foi apresentado como a síntese
da mestiçagem, louvado como símbolo da identidade cultural brasileira nas
disputas com a invasão cultural estrangeira.
Na
Década de 1930 aconteceram várias significativas mudanças socioculturais no
Brasil, como a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, a industrialização
crescente no Sudeste com o consequente enriquecimento e aparecimento da classe
média urbana, o início das migrações do campo para as cidades principalmente o
“Sul maravilha” (São Paulo) provocando também mudanças na configuração sociocultural
do país. Alguns autores afirmam ter ocorrido nesse período um redescobrimento,
uma refundação do Brasil. Nesse contexto sociopolítico, a História do país foi
discutida e concepções revistas na afirmação de uma identidade sociocultural
para o país.
É
desse período a publicação dos conhecidos livros Casa grande & senzala (1933) de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936) de Sérgio
Buarque de Holanda e Formação do Brasil
contemporâneo (1942) de Caio Prado Jr. Esses autores ao discutirem “as
raízes” e “a formação” do Brasil em sintonia com aquele momento sociopolítico
buscavam além de explicar o passado, apontar um projeto de futuro para o país. Explicações
onde uma identidade nacional, a identidade brasileira, notadamente em Casa grande & senzala, era resultado
de uma conformidade mestiça.
O nacionalismo e o
desenvolvimentismo dos anos seguintes, inclusive expressos pela Ditadura
Militar. Com seus arroubos nacionalistas a Ditadura Militar que se instalou no
Brasil em 1964, interessou também sobremaneira a exaltação de um país com a
identidade única caminhando a passos largos para o desenvolvimento. Progresso e
unidade cultural do gigante país verde e amarelo eram temas indissociáveis nos
discursos dos defensores da nação brasileira.
O discurso da monocultura
nacional foi também defendido pelas esquerdas em seus projetos políticos de
oposição a Ditadura Militar. O antropólogo, escritor e educador Darcy Ribeiro,
que se dizia um político apaixonado pelo Brasil, foi um exemplo disso. Darcy foi
um dos últimos autores que buscou formular uma explicação, uma síntese, uma
teoria geral para a História do Brasil, por meio de seus vários livros,
entrevistas e romances, publicados durante e depois do fim da Ditadura.
A ideia de um Brasil moderno
formado por uma macroetnia, foi retomada e advogada pelo antropólogo no livro O povo brasileiro, segundo o autor a
síntese de sua “teoria de Brasil”. Nesse livro publicado em 1995, Darcy mais
uma vez enfatizou a sua defesa do mulato, como símbolo do Brasil e síntese da
fusão das diferentes expressões socioculturais no país.
Os méritos de Darcy Ribeiro
decorrem de ter sido ele o primeiro autor que discutiu o “problema indígena” de
uma forma ampla, e por sua explícita posição política em denunciar as opressões
sobre os índios na História do Brasil, o que tornou as ideias do antropólogo
bastante conhecidas. A obra Os índios e a
civilização, livro com várias edições, por sua quantidade de informações e
sistematização de dados “continua a ser uma peça insubstituível, referência
obrigatória para qualquer apreciação global da população indígena brasileira”
(OLIVEIRA, 2001, p.421). Além de ter sido traduzido para outras línguas,
adotado nos cursos de Ciências Sociais no Brasil, formando uma geração de
estudantes, foi também lido por profissionais de outras áreas e pelo público em
geral. As ideias de Darcy Ribeiro contidas nesse e outros livros do autor que
discutem o Brasil, em muito influenciaram a visão de outros estudiosos e o
senso comum sobre os índios, às expressões socioculturais do país.
Reafirmando as diferenças, questionando a mestiçagem
O historiador negro
jamaicano Stuart Hall que se tornou um renomado professor lecionando em
universidades na Inglaterra, a partir da perspectiva gramsciana discute o
conceito de hegemonia nas relações socioculturais. Ao tratar sobre a ideia da
nação moderna, esse autor discutiu as construções dos símbolos, discursos e
representações a respeito de supostas culturas e identidades nacionais
hegemônicas que buscam apagar as diferentes expressões socioculturais.
Para
Hall,
As
culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas
também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos
que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de
nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”,
sentidos com os quais podemos nos identificar,
constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são
contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com o seu passado e
imagens que dela são construídas. (HALL, 1999, p.50-51).
A afirmação da mestiçagem como identidade do
Brasil pode ser compreendida a partir da perspectiva apontada por Stuart Hall.
A
música Leão do Norte é uma composição
de Paulo César Pinheiro e Lenine, sendo cantada por esse último que é pernambucano.
A letra dessa música é um exemplo das construções das imagens representativas
de uma visão de identidade cultural geral:
Sou o coração do folclore
nordestino
Eu sou Mateus e Bastião do Boi Bumbá
Sou o boneco do Mestre Vitalino
Dançando uma ciranda em Itamaracá
Eu sou um verso de Carlos Pena Filho
Num frevo de Capiba
Ao som da orquestra armorial
Sou Capibaribe
Num livro de João Cabral
Sou mamulengo de São Bento do Una
Vindo no baque solto de Maracatu
Eu sou um auto de Ariano Suassuna
No meio da Feira de Caruaru
Sou Frei Caneca do Pastoril do Faceta
Levando a flor da lira
Pra Nova Jerusalém
Sou Luis Gonzaga
E vou dando um cheiro em meu bem
Eu sou Mateus e Bastião do Boi Bumbá
Sou o boneco do Mestre Vitalino
Dançando uma ciranda em Itamaracá
Eu sou um verso de Carlos Pena Filho
Num frevo de Capiba
Ao som da orquestra armorial
Sou Capibaribe
Num livro de João Cabral
Sou mamulengo de São Bento do Una
Vindo no baque solto de Maracatu
Eu sou um auto de Ariano Suassuna
No meio da Feira de Caruaru
Sou Frei Caneca do Pastoril do Faceta
Levando a flor da lira
Pra Nova Jerusalém
Sou Luis Gonzaga
E vou dando um cheiro em meu bem
Eu sou mameluco, sou de Casa
Forte
Sou de Pernambuco, sou o Leão do Norte
Sou de Pernambuco, sou o Leão do Norte
Sou Macambira de Joaquim
Cardoso
Banda de Pife no meio do Canavial
Na noite dos tambores silenciosos
Sou a calunga revelando o Carnaval
Sou a folia que desce lá de Olinda
O homem da meia-noite puxando esse cordão
Sou jangadeiro na festa de Jaboatão
Eu sou mameluco...
Banda de Pife no meio do Canavial
Na noite dos tambores silenciosos
Sou a calunga revelando o Carnaval
Sou a folia que desce lá de Olinda
O homem da meia-noite puxando esse cordão
Sou jangadeiro na festa de Jaboatão
Eu sou mameluco...
Cabe lembrar
que o próprio título da música remete aos discursos usados pela elite
pernambucana do Século XIX, para afirmar a soberania da Província nas disputas
políticas com as oligarquias do Sudeste do país. Portanto, o título e a letra
da música expressam ufanismo, patriotismo e afirmações identitárias.
Observemos que
na letra da música seus autores além de se identificarem, dizem de onde falam:
“Eu sou mameluco, sou de Casa Forte Sou de Pernambuco, sou o Leão do Norte”. Ou
seja, afora serem mestiços moram em Casa Forte, tradicional bairro recifense
habitado pela “açucarocracia” pernambucana, as famílias e seus descendentes de
senhores de engenho do passado e ricos usineiros do presente. O bairro é
conhecido por ser uma espécie de ilha de conforto, suntuosidade e tranquilidade
no Recife, no que diz respeito às condições de moradia, centro comercial e
serviços públicos. Porque os músicos não afirmaram serem mestiços moradores em
uma das várias comunidades pobres da periferia da capital pernambucana?!
Mesmo tendo presente
que os artistas têm a plena liberdade de expressões e que em se tratando da
música vista com uma obra de arte, onde as metáforas é uma linguagem intrínseca
nos universos das Artes, a letra da música em questão nos possibilita reflexões
sobre os sentidos do seu conteúdo a partir da temática que estamos tratando, a
construção de uma identidade cultural.
Em uma breve
análise da letra dessa música, percebemos que os autores evocam as muitas e
diversas expressões socioculturais existentes em todo o estado de Pernambuco.
Citam personalidades renomadas do âmbito da Cultura, sejam literatos com Ariano
Suassuna, músicos como Luiz Gonzaga ou animadores de expressões socioculturais
como o Velho Faceta, que ficou bastante conhecido por liderar as apresentações do
Pastoril em bairros do Recife. Da mesma forma indistinta, são citadas
expressões socioculturais de diferentes localidades, espaços e temporalidades
que ocorrem em Pernambuco. Todas colocadas lado a lado, em um mesmo plano
supostamente valorativo.
Transparece
ainda na leitura da letra da referida música a evocação de uma tradição comum,
de uma identidade pernambucana, fundada em uma memória coletiva, mas, atemporal
onde pessoas, lugares, expressões, objetos, lembranças e eventos compõem a
cultura da pernambucanidade, a nação pernambucana, representada no que vem a
ser o Leão do Norte.
O historiador
Stuart Hall afirmou que um dos elementos principais que expressam a cultura de
uma nação seria as narrativas ao fornecer imagens, panoramas, cenários, eventos
históricos, símbolos e rituais que representam a partilha de experiências e dá
sentido a nação como uma comunidade imaginada. Um conjunto de símbolos que
torna o lugar agradável aos seus habitantes, o solo nativo que confere uma
identidade a ser reafirmada publicamente. Ocorrendo ainda uma ênfase nas
origens, na continuidade, na tradição e na intemporalidade. (HALL, 1999, p.52-53). Tais reflexões são
pertinentes para analisar a letra da música em discussão.
Todavia, se
faz necessário descontruir uma suposta identidade nacional, ou outras
afirmações tais como a regional, expressa em uma cultura hegemônica que nega,
ignora e despreza as diferenças socioculturais. Portanto, uma suposta
identidade e cultura nacional se constituem pelo discurso impositivo de um único
povo. Uma unidade anunciada muita vezes em torno de ideia de raça, um tipo
biológico. Pensemos no caso do Brasil as ideias do mulato, o mestiço, o
nordestino, o sertanejo, o pernambucano dentre outras.
As ideias de
uma identidade e cultura nacional escondem as diferenças sejam de classes
sociais, gênero e étnicas ao buscar uniformizá-las. Negando também os processos
históricos marcados pelas violências de grupos politicamente hegemônicos. Nega
ainda as violências sobre grupos subalternos, a exemplo de povos indígenas e
oriundos da África que foram submetidos a viverem em ambientes coloniais. Observemos
ainda que as identidades nacionais além de serem fortemente marcadas pelo
etnocentrismo são também pelo sexismo: se diz o mulato, o mestiço, o pernambucano,
acentuando-se o gênero masculino.
Faz-se
necessário, portanto, problematizar as ideias e afirmações de identidades
generalizantes como a mestiçagem no Brasil, um discurso para, negar, desprezar
e suprimir a sociodiversidade no país. Afirmar os direitos as diferenças é,
pois, questionar o discurso da mestiçagem como identidade nacional usado para
esconder a história de índios/as e negros/as na História do Brasil.
Questionando
Chico Buarque, Tom Zé, Lenine...
Reconhecendo
os direitos às diferenças
No trecho citado no início
desse texto da Carta as esquerdas, o
renomado sociólogo português, conhecido por seu apoio explícito às mobilizações
políticas dos diferentes grupos sociais em países abaixo da linha do Equador
(América do Sul, África e Ásia), Boaventura de Souza Santos enfatizou que
reconhecer as sociodiversidades, exige reconhecer os direitos as diferenças que
constituem o mundo atual, significando a negação da visão de uma suposta
cultura ocidental como única, a superação do eurocentrismo e do etnocentrismo.
Ao tratar do contexto em que
emergiu a Lei 10.639/2003 que determinou a inclusão nos currículos escolares
das escolas no Brasil do ensino da História da África e da cultura
afro-brasileira, a reconhecida pesquisadora Nilma Lino Gomes (UFMG) afirmou:
Muitas
vezes, o caráter universal e abstrato do discurso em prol de uma democracia para todos acaba
uniformizando e homogeneizando trajetórias, culturas, valores e povos. Por
isso, os movimentos sociais cada vez mais buscam ampliar a noção de democracia,
a fim de que ela insira a diversidade e apresente alternativas para lidar com
as políticas de identidade. Essa outra perspectiva de democracia deverá
radicalizar ainda mais a luta pelos direitos sociais, incluindo nessa o direito
à diferença. Assim, a democracia estará mais próxima das vivências concretas
dos diferentes sujeitos sociais e de sua luta pela construção da igualdade
social que incorpore e politize a diversidade. (GOMES, 2008, p.70). (Grifos da
autora).
A
pesquisadora enfatizou as mobilizações sociais que resultaram na inserção da
diversidade nos currículos escolares, mas alertou também para a necessidade de
outras iniciativas políticas e pedagógicas reivindicadas pelos movimentos
sociais, a exemplo da organização das escolas e formação de professores/as
indígenas, a educação inclusiva, as escolas e formação de professores/as do
campo, a educação ambiental. Enfim, ao lado de outras temáticas igualmente
necessárias, devem ser tratadas as sociodiversidades indígenas.
O
índio Gersem Baniwa (o povo Baniwa habita na fronteira entre o Brasil, Colômbia
e Venezuela em aldeias nas margens do Rio Içana e seus afluentes, além de
comunidades no Alto Rio Negro e nos centros urbanos de São Gabriel da
Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos/AM), Mestre e recém-Doutor em Antropologia
pela UnB publicou o livro O índio
brasileiro: o que você precisa saber
sobre os povos indígenas no Brasil de hoje, onde escreveu sobre as
sociodiversidades dos povos indígenas:
A
sua diversidade, a história de cada um e o contexto em que vivem criam
dificuldades para enquadrá-los em uma definição única. Eles mesmos, em geral,
não aceitam as tentativas exteriores de retratá-los e defendem como um
principio fundamental o direito de se autodefinirem. (BANIWA, 2006, p.47).
Após
discorrer sobre as complexidades das organizações sociopolíticas dos diferentes
povos indígenas nas Américas, questionando as visões etnocêntricas dos
colonizadores europeus o pesquisador indígena afirmou:
Desta
constatação histórica importa destacar que, quando falamos de diversidade
cultural indígena, estamos falando de diversidade de civilizações autônomas e
de culturas; de sistemas políticos, jurídicos, econômicos, enfim, de
organizações sociais, econômicas e politicas construídas ao longo de milhares
de anos, do mesmo modo que outras civilizações dos demais continentes europeu,
asiático, africano e a Oceania. Não se trata, portanto, de civilizações ou
culturas superiores ou inferiores, mas de civilizações e culturas equivalentes,
mas diferentes. (BANIWA, 2006, p.49).
E
tratando da chamada identidade cultural brasileira, concluindo que,
Desse
modo, podemos concluir que não existe uma identidade cultural única brasileira,
mas diversas identidades que, embora não formem um conjunto monolítico e
exclusivo, coexistem e convivem de forma harmoniosa, facultando e enriquecendo
as várias maneiras possíveis de indianidade, brasilidade e humanidade. Ora,
identidade implica a alteridade, assim como a alteridade pressupõe diversidade
de identidades, pois é na interação com o outro não-idêntico que a identidade se constitui. O reconhecimento
das diferenças individuais e coletivas é condição de cidadania quando
identidades diversas são reconhecidas como direitos civis e políticos,
consequentemente absorvidos pelos sistemas políticos e jurídicos no âmbito do
Estado Nacional. (BANIWA, 2006, p.49).
Na
versão em vídeo-documentário do citado livro O povo brasileiro, publicado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, são
apresentadas belíssimas imagens para exemplificar a colcha de retalhos de
culturas que unificadas formam o Brasil, em uma só identidade nacional
resultante da mistura de todas elas, diferentemente do que afirmou Gersem
Baniwa. Cremos que assim como ocorreu com as imagens, os narradores das falas
nesse documentário não foram escolhidos ao acaso. Conhecendo Darcy, as
indicações é que tudo foi pensado e escolhido de forma detalhada para facilitar
a interação do público com as ideias, o conteúdo expressado, o pensamento do
autor.
Nesse
documentário, dentre outros narradores aparecem cantores e compositores a
exemplo de Chico Buarque e Tom Zé. Acreditamos que se esses artistas
comprometem suas imagens e discursos, é porque
também comungam com as ideias de Darcy Ribeiro. Isso porque ainda esses
conhecidos artistas por mais de uma vez expressaram em suas obras as concepções
de uma identidade, uma cultura nacional. Assim como aparece na citada música Leão do Norte, cantada por Lenine. São
autores de uma geração cujas vozes e concepções acreditam em uma brasilidade
mestiça. E assim estão na contramão de compreensão das sociodiversidades
existentes historicamente no Brasil.
Afirmar
as sociodiversidades indígenas no Brasil é, portanto, reconhecer os direitos as
diferenças socioculturais, é questionar a mestiçagem como ideia de uma cultura
e identidade nacional. É buscar compreender as possibilidades de coexistência
socioculturais, fundamentada nos princípios da interculturalidade,
A
interculturalidade é uma prática de vida que pressupõe a possibilidade de
convivência e coexistência entre culturas e identidades. Sua base é o diálogo
entre diferentes, que se faz presente por meio de diversas linguagens e
expressões culturais, visando à superação de intolerância e da violência entre
indivíduos e grupos sociais culturalmente distintos. (BANIWA, 2006, p.51).
Somente a partir da nova
conjuntura política com o fim da Ditadura, as ideias polarizadas, bem como as
totalizantes, que perpassavam as discussões sobre a identidade do país, foram
explicitamente colocadas em discussão. Timidamente foram dados os primeiros
passos que rediscutiam a mestiçagem como a expressão de uma suposta identidade
brasileira. Os debates públicos e acadêmicos em torno das questões de gênero,
da temática negra, dentre outras, ganharam corpo nos anos seguintes colocando
em xeque a suposta identidade nacional advogada anteriormente.
No novo cenário político com
outros atores, os povos indígenas conquistaram e ocuparam seus espaços, reivindicando
o reconhecimento e o respeito de suas expressões étnicas e socioculturais, bem
como das condições para vivenciá-las. A mestiçagem enquanto apagamento, sombra
que escondia as diferenças perdeu a primazia do status explicativo sobre o
país. O reconhecimento das sociodiversidades além de provocar um repensar do
país, vem exigindo políticas públicas que dê conta dessa realidade. Daí a
necessidade de se debruçar sobre a História do Brasil para melhor compreender
no presente as diversidades socioculturais em um país com dimensões continental,
com suas peculiaridades regionais e locais.
A Lei 11.645/2008: limites e possibilidades para o
(re)conhecimento das sociodiversidades indígenas
Conta-se que quando Claude Lévi-Strauss
se preparava para vir ao Brasil onde colaboraria na fundação da USP no início
da década de 1930, ele teria procurado o então Embaixador do Brasil na França.
Ao buscar informações sobre os índios, ouviu da autoridade diplomática
brasileira, que não mais existiam, teriam todos sido dizimados com a
colonização. Se Lévi-Strauss tivesse acreditado no Embaixador, a Antropologia e
as Ciências Humanas e Sociais não herdariam a sua vastíssima obra sobre os
povos nativos, a significativa contribuição do reconhecidíssimo como um dos
maiores ou senão o maior antropólogo contemporâneo.
Onde estão os índios?! As
dúvidas ou as respostas negativas a essa pergunta ainda é ouvida da imensa
maioria da população, e até mesmo de pessoas mais esclarecidas. O pouco
conhecimento generalizado sobre os povos indígenas está associado basicamente à
imagem do índio que é tradicionalmente veiculada pela mídia: um índio genérico,
com um biótipo formado por características correspondentes aos indivíduos de
povos habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos, pinturas
corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de
culturas exóticas, porém consideradas “primitivas” ou “atrasadas”, etc.
Ou
também são chamados de “tribos” a partir da perspectiva etnocêntrica e
evolucionista de uma suposta hierarquia de raças, onde os índios ocupariam
obviamente o último degrau. Ou ainda
imortalizados pela literatura romântica produzida no Século XIX, como nos
livros de José de Alencar, onde são apresentados índios belos e ingênuos, ou
valentes guerreiros e ameaçadores canibais, ou seja, bárbaros, bons selvagens
ou heróis.
Mas, essas visões sobre os
índios vêm mudando nos últimos anos. E essa mudança ocorre em razão da
visibilidade política conquistada pelos próprios índios. As mobilizações dos
povos indígenas em torno das discussões e debates para a elaboração da
Constituição Federal em vigor aprovada em 1988 e as conquistas dos direitos
indígenas fixados na Lei maior do país, possibilitaram a garantia dos direitos
(demarcação das terras, saúde e educação diferenciadas e específicas, etc.), e
que a sociedade em geral (re)descobrisse os índios.
Além disso, a nossa
sociedade, ainda como resultado da organização e mobilizações dos movimentos
sociais, se descobre plural, repensa seu desenho: o Brasil não tem uma
identidade nacional única! Somos um país de muitos rostos, expressões
culturais, étnicas, religiosas... As minorias (maiorias), sejam mulheres,
ciganos, pessoas negras, idosas, crianças, portadoras de necessidades especiais
reivindicam o reconhecimento e o respeito de seus direitos! Um exemplo muito
simples disso: é obrigatório em todos os prédios públicos rampas de acesso para
pessoas deficientes. E antes não existia essa necessidade?! Sim, existia. Mas
que hoje a sociedade reconhece esse direito.
Os índios então conquistam o
(re)conhecimento do respeito a seus direitos específicos e diferenciados, a
partir dessa ótica: um país, a sociedade que se repensa, se vê em sua
multiplicidade, pluralidade e diversidades culturais, expressada também pelos
povos indígenas em diferentes contextos sociohistoricas. Embora esse
reconhecimento exija também mudanças nas posturas e medidas das autoridades
governamentais em ouvir dos diferentes sujeitos sociais a necessidade de novas
políticas públicas que reconheça, respeite e garanta essas diferenças.
Como por exemplo, na
Educação, a formulação de políticas educacionais inclusivas das histórias e
expressões culturais no currículo escolar, nas práticas pedagógicas. Essa exigência
deve ser atendida, a partir da contribuição de especialistas, da participação e
envolvimentos plenos dos próprios sujeitos sociais na formação de futuros/as
docentes, na formação continuada daqueles/as que atuam e fundamentalmente na
produção de subsídios didáticos em todos os níveis. Seja nas universidades, nas
secretarias estaduais e municipais de Educação. Só a partir disso é que
deixaremos de tratar as diferenças socioculturais como estranhas, exóticas e
folclóricas. (Re)conhecendo em definitivo os índios como povos indígenas, em
seus direitos de expressões próprias que podem contribuir decisivamente para a
nossa sociedade, para todos nós.
A
partir de suas mobilizações, os povos indígenas conquistaram nas últimas
décadas considerável visibilidade enquanto atores sociais em nosso país
exigindo novos olhares, pesquisas e reflexões. Mas, por outro lado, é facilmente
contestável o desconhecimento, os preconceitos, os equívocos e as
desinformações generalizadas sobre os índios, inclusive entre os
educadores. Essas duas situações aqui
relatadas ilustram muito bem como os preconceitos sobre os índios são expressos
cotidianamente pelas pessoas. E o mais grave: independe do lugar social e
político que ocupem! O que dizer então do universo das pessoas pouco letradas,
do senso comum da população em nosso país?
Sem
dúvidas é no âmbito da escola/educação formal, em seus vários níveis
hierárquicos, que se pode constatar a ignorância que resulta as distorções a
respeito dos índios. A Lei nº. 11.645 de março/2008 que tornou obrigatório o
ensino sobre a história e
culturas indígenas nos currículos escolares no Brasil, ainda que careça de
maiores definições, objetivou a superação dessa lacuna na formação escolar.
Contribuindo para o reconhecimento e a inclusão das diferenças étnicas dos
povos indígenas, para se repensar em um novo desenho do Brasil em sua diversidade
e da pluralidade culturais.
Para a implementação
da Lei nº.
11.645/08 é preciso ter claro os diferentes níveis de responsabilidades, bem
como os desafios para sua real efetivação. No âmbito federal o MEC tem uma
tarefa extremamente importante: apoiar a produção de subsídios didáticos
destinados aos/as educadores/as nas escolas públicas a níveis estaduais e municipais,
de acordo com as realidades distintas no país.
Ao Ministério Público
Federal e nos Estados, cabe fiscalizar a execução da implementação da Lei nas
redes públicas e privadas de ensino, inclusive nas faculdades, universidades e
instituições congêneres que atuam na formação de professores/as.
No
nível das universidades públicas e privadas se faz necessário à inclusão de
cadeiras sobre a temática indígenas no âmbito das Ciências Humanas e Sociais,
bem como nos demais campos do conhecimento acadêmico incluir a discussão dos
saberes indígenas. A exemplo da área da Matemática, onde podem ser discutidos
os saberes matemáticos de povos culturalmente distintos do pensamento
hegemônico ocidental.
Caberá
às secretarias estaduais e municipais de Educação disponibilizar, favorecer o
acesso aos subsídios produzidos pelo MEC, e ainda também produzirem materiais
didáticos enfocando as realidades locais dos povos indígenas. É de fundamental
importância ainda capacitar os quadros técnicos dessas instâncias
governamentais, no âmbito do combate aos racismos institucionais.
Ainda
nas esferas governamentais locais se faz necessário, com a participação dos indígenas,
de especialistas reconhecidos/as, a promoção de seminários, encontros de
estudos, etc. sobre a temática indígena para professores/as e demais
trabalhadores/as na educação.
Pensando em Algumas
propostas e sugestões, o MEC em suas instâncias competentes deve acompanhar e
fiscalizar a implementação da Lei nº. 11.645/08 no âmbito dos currículos dos
cursos de licenciatura e formação de professores/as. O que significará a
inclusão de cadeiras obrigatórias que tratem especificamente da temática
indígena, principalmente em cursos das áreas das Ciências Humanas e Sociais.
Cabe às universidades estimular, apoiar e ainda viabilizar os meios necessários
para a participação efetiva do professorado, alunos/as e técnicos em eventos
acadêmicos que tratem da temática indígena.
Por meio de convênios com o
MEC e as secretarias estaduais e municipais, as universidades produzam
materiais didáticos que tratem da temática indígena a serem disponibilizados
para o ensino público. As secretarias estaduais e municipais incluam ainda a
temática indígena nos estudos, capacitações periódicas e formação continuada, a
ser abordada na perspectiva da sociodiversidade historicamente existente no
Brasil e na sociedade em que vivemos: por meio de cursos, seminários, encontros
de estudos específicos e interdisciplinares destinados ao professorado e demais
trabalhadores/as em educação, com a participação de indígenas e assessoria de
especialistas reconhecidos. Assim como adquiram livros que tratem da temática
indígena, destinados ao acervo das bibliotecas escolares.
Essas secretarias favoreçam as
pesquisas, bem como estimulem aos/as interessados/as em cursos de
aprofundamento em nível de pós-graduação. No nível também das citadas secretarias,
promovam estudos específicos para que o professorado possam conhecer os povos
indígenas no Brasil, possibilitando uma melhor abordagem ao tratar da temática
indígena em sala de aula, particularmente nos municípios onde atualmente
habitam povos indígenas.
Intensificar
a produção, com assessoria de pesquisadores/as especialistas, de vídeos,
cartilhas, subsídios didáticos, etc. sobre os povos indígenas para serem
utilizados em sala de aula. Proporcionar o acesso a publicações: livros,
periódicos, etc., como fonte de informação e pesquisa sobre os povos indígenas.
Promoção
de momentos de intercâmbios entre os povos indígenas e os estudantes durante o
calendário letivo, por meio de visitas previamente
preparadas do alunado às aldeias, bem como de indígenas às escolas. IMPORTANTE:
ação a ser desenvolvida principalmente nos municípios onde atualmente moram os
povos indígenas, como forma de buscar a superação dos preconceitos e as
discriminações. Vale ressaltar que as visitas não devem se constituírem como
meras apresentações folclóricas, mas como espeço de diálogos e aprendizagens.
Discutir
e propor o apoio aos povos indígenas, por meio do estímulo ao alunado com a
realização de abaixo-assinados, cartas às autoridades com denúncias e
exigências de providências para as violências contra os povos indígenas, assassinatos
de suas lideranças, etc. Estimulando assim através de manifestações coletivas
na sala de aula, o apoio às campanhas de demarcação das terras e garantia dos
direitos dos povos indígenas.
Enfim,
promover seja nos espaços das universidades, das escolas ou nos demais espaços
institucionais, ações pautadas na perspectiva da compreensão da sociodiversidade
e do reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, bem como do
reconhecimento de que o Brasil é um país pluricultural e pluriétnico.
Como lecionar sobre os povos
indígenas, quando é facilmente constatável que a imensa maioria do professorado
desconhece que Pernambuco possui a 3ª maior população indígena no Brasil, pois
53.284 indivíduos se autodeclaram índios segundo os dados do Censo IBGE/2010 e
atualmente existem 11 povos indígenas no estado? Como tratar dos povos
indígenas em Pernambuco se no censo comum e no ambiente escolar permanecem
imagens de índios da Região Norte e do Xingu, considerados índios supostamente
portadores de uma cultura pura em oposição aos indígenas em Pernambuco, no
Nordeste, que tem suas identidades sistematicamente negadas, são chamados de
caboclos termo bastante usado principalmente a partir de meados do Século XIX
pelos invasores das terras indígenas e autoridades que defendiam o fim dos
aldeamentos e invisibilizando os índios da História?
A Lei 11.645/2008 ao
determinar a inclusão da história e culturas dos povos indígenas no currículo
escolar, questiona as ideias e visões sobre a sociedade e a História do Brasil
como uma única expressão sociocultural. A efetivação da referida Lei
possibilitará discutir e problematizar o lugar dos índios, ou melhor dizendo
dos povos indígenas, em nossa sociedade, na História do Brasil. Além de
reconhecer os legítimos direitos as diferentes sociodiversidades expressadas
pelos povos indígenas.
Em nossa sociedade a escola
tem um papel privilegiado de formação humana que deve responder as demandas
sociais. Nesse sentido, é que a implementação da Lei 11.645/2008 possibilitará
o reconhecimento das diferenças socioculturais
existentes no Brasil, o reconhecimento dos direitos das sociodiversidade dos povos
indígenas. Ainda que se tenha presente as dificuldades e desafios dos processos
de ensino-aprendizagem, do fazer pedagógico, a escola é um lócus onde com a efetivação da Lei seja
possível no ambiente escolar viabilizar “espaços que favoreçam o reconhecimento
da diversidade e uma convivência respeitosa baseada no diálogo entre os
diferentes atores sociopolíticos, oportunizando igualmente o acesso e a
socialização dos múltiplos saberes”. (SILVA, 2010, p.46). E assim, contribuindo
na formação de cidadãos/as críticos/as.
Bibliografia
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História).
SODRÉ, Nélson Werneck. História da Literatura Brasileira. 8ª
ed. atua. São Paulo, Editora Bertrand Brasil, 1988.
*Versão da exposição apresentada na
mesa-redonda “Etnicidade e ensino de História da África”, por ocasião do II Colóquio Africanidades em sala de aula, realizado
entre os dias 09 a 11/11/2011, na UPE (Campus Petrolina).
**Doutor em História Social (UNICAMP).
Leciona no Programa de Pós-Graduação em História/UFPE e no Programa de
Pós-Graduação em História/UFCG (Campina Grande/PB). Professor no Centro de
Educação/Col. de Aplicação-UFPE/Campus Recife e no Curso de Licenciatura
Intercultural Indígena na UFPE/Campus Caruaru, destinado à formação de
professores/as indígenas em Pernambuco.
E-mail: edson.edsilva@hotmail.com
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